"Rede" de Bolsonaro reforça tese de interferência ilegal em investigações

Publicado em: 23/05/2020 às 14:47
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No mesmo dia em que a gravação de uma reunião ministerial revelou que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse ter um "sistema de informações particular" mais eficiente do que o oficial, o mandatário afirmou em coletiva de imprensa que a polícia do Rio de Janeiro vazou a ele "possibilidade de busca e apreensão" contra seus filhos.

Para investigadores, oficiais de polícia, especialistas e pesquisadores de segurança pública, a junção dos dois discursos no mesmo dia reforça a tese de que Bolsonaro utiliza seu poder para interferir ilegalmente em investigações. Caso comprovadas essas investidas por motivos estritamente particulares, não de defesa do Estado, Bolsonaro poderia ser submetido a processo de impeachment por crime de responsabilidade, dizem investigadores.

Na reunião feita com ministros em 22 de abril, divulgada ontem pelo STF (Supremo Tribunal Federal) para que todos os brasileiros tenham acesso ao conteúdo, o presidente afirmou: "O meu, particular, funciona. Os que têm oficialmente, desinformam. E voltando ao tema: 'Prefiro não ter informação do que ser desinformado por sistema de informações que eu tenho". Na noite de sexta-feira, após a repercussão da divulgação da reunião, o presidente afirmou: "Possibilidade de busca e apreensão na casa de filho meu onde provas seriam plantadas. Levantei... Graças a Deus, tenho amigos policiais civis e policiais militares no Rio de Janeiro. Que estava sendo armado para cima de mim."

Um policial federal afirmou à reportagem que não há problema se o presidente, mesmo à parte da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) e do Sisbin (Sistema Brasileiro de Informações, que envolve diversos órgãos), obtiver informações de inteligência. Um exemplo seria ele ser informado que o Primeiro Comando da Capital (PCC) se prepara para fazer uma rebelião. Não há crime nisso. A questão pode se agravar apoiada no fato de o presidente mencionar uma investigação criminal no Rio de Janeiro voltada a seus filhos.

Violação de sigilo e obstrução de Justiça No caso de uma rede de vazamento de operações policiais, haveria crimes de violação de sigilo funcional, obstrução de Justiça e associação criminosa. Algo que traria risco de impeachment para o presidente. Ao afirmar que recebeu informações privilegiadas de policiais civis e militares, Bolsonaro ainda mostrou que suas interferências em investigações estão para além do governo federal, mas, também, em polícias estaduais.

"O caso se revela muito mais grave do que o caso da [interferência na] Polícia Federal dita pelo Moro. Policiais que, próximos ao presidente, repassam a ele informações de Estado, não informações de política: o que o seu inimigo político planeja, o que o jornal vai falar, o que o juiz que não gosta de você vai fazer. Não são problemas de Estado, são problemas de política", afirma o professor de Gestão Pública da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Rafael Alcadipani.

O coronel José Vicente da Silva Filho, que já comandou a Polícia Militar paulista e que foi secretário nacional de Segurança Pública no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), afirmou que, apesar de poder solicitar infonenhum presidente ou autoridade pode interferir em um processo em andamento por uma outra esfera para não configurar obstrução. "Ele pode ligar para um delegado, por exemplo, e pedir informações de interesse do presidente, como um problema de corrupção na Polícia Federal no Rio de Janeiro ou um envolvimento de policiais na morte da Marielle, ou qualquer outro exemplo. Mas só para ficar sabendo, não para tomar uma medida. Se tomar alguma medida, é um erro grave, que seria um motivo para um impeachment", diz o coronel.

 



Fonte: Espaço PB com UOL – Redação: contato@espacopb.com.br

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