Nove juízes alegam foro íntimo para não julgar acusações contra ex-governador da Paraíba e décimo magistrado aponta “autos inconclusos”

Publicado em: 18/04/2022 às 23:05
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Em sete meses e meio, nove juízes da Paraíba se colocaram em suspeição para julgar ações contra o ex-governador Ricardo Coutinho (PT). Eles alegaram foro íntimo para recusar a apreciação das acusações decorrentes de uma investigação que apontou o ex-governador como líder de uma organização criminosa que desviou dinheiro das áreas da saúde e da educação do estado entre 2011 e 2018.

Um décimo magistrado atestou que os autos do processo chegaram à sua mão “devidamente inconclusos” e deveriam retornar à 6ª Vara Criminal da Comarca da Capital. As acusações foram feitas pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público da Paraíba (MPPB), chefiado pelo promotor de Justiça Octávio Paulo Neto, e acatadas pelo desembargador Ricardo Vital.

O problema tem se manifestado em duas ações: uma trata da acusação de falsidade ideológica, crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos ou valores, movida contra a família do ex-governador e a família Pahim; outra, em que Ricardo Coutinho é acusado de prática de crime eleitoral, foi remetida para a Justiça Eleitoral por ordem do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Somente na ação movida por falsidade ideológica foram seis os juízes que se consideraram suspeitos para prosseguir com o julgamento: Shirley Abrantes Moreira Régis (em 2/9/21); Antônio Maroja Limeira Filho (em 13/9/21); Ana Carolina Tavares Cantalice (em 20/9/21); Isa Monia Vanessa de Freitas Paiva (em 5/9/21); José Márcio Rocha Galdino (em 8/4/22); e Marcos William de Oliveira (em 11/4/22). Um sétimo, Marcial Henrique Ferraz da Cruz, mandou o processo retornar à 6ª Vara Criminal de João Pessoa em 14 de março deste ano.

Já o processo que foi remetido para a Justiça Eleitoral por determinação de Gilmar Mendes soma outras três desistências pelo mesmo motivo alegado pelos magistrados da área criminal: “foro íntimo”. Magnogledes Ribeiro Cardoso (em 7/3/22), Onaldo Rocha de Queiroga (em 30/3/22) e Hermance G. Pereira (em 11/4/22), num período de 34 dias, também desistiram de julgar as acusações feitas pelo Gaeco.

A investigação, apelidada de Operação Calvário, está sendo contestada pela defesa de Ricardo Coutinho. As acusações do Gaeco têm como base delações premiadas e “convicções” da promotoria para fundamentar os pedidos de prisões nas denúncias aos crimes que são imputados a Coutinho e outras pessoas, segundo a defesa do ex-governador.

“É uma análise muito subjetiva de cada magistrado. Até agora são duas ações penais da Calvário que estão nesse limbo. Uma que estava na 6ª Vara, que trata da denúncia oferecida contra a família de Ricardo e a família Pahim. E a outra é aquela que foi remetida para a Justiça Eleitoral por determinação do ministro Gilmar Mendes no ano passado. Uma juíza, inicialmente proferiu despacho. Mas depois foi distribuída para outros juízes que se declararam suspeitos e até agora não foi designado um relator, digamos assim. Então ainda está parado”, afirma Igor Suassuna, advogado de defesa de Ricardo Coutinho.

Suassuna diz que é muito difícil precisar o porquê desses pedidos de suspeição estarem acontecendo, mas destaca que a pressão da opinião pública pode ser um balizador. “A lei é subjetiva, não obriga o juiz, no momento de declarar a suspeição, que especifique a razão de não querer julgar aquele processo. Em todos os processos da Calvário, os juízes sofrem uma pressão pública muito forte”, afirma.

“A gente sabe o quadro de ilegalidades que já foram cometidas, denúncias oferecidas apenas com base em delação premiada, gravações clandestinas, ilegais, provas que não sustentam o que é alegado na denúncia. Assim, há um receio muito grande de assumir processos como esses e no final ter que absolver por ausência de provas ou por alguma nulidade processual. Mas isso é difícil de falar com precisão. Trata-se de uma versão dos advogados de defesa para uma situação que está acontecendo”, conclui.

Eduardo Cavalcanti, sócio de Igor na Suassuna & Cavalcanti Advogados, detalha existência de procedimentos que num primeiro momento ajudaram a colocar a opinião pública do lado da acusação, mas que depois foram se tornando empecilho para a tramitação das ações criminais na Justiça. “Ao que parece, a Operação Calvário tornou-se um calvário para vários juízes, com perdão do trocadilho. É um terreno bastante íngreme, difícil de enfrentar. Essas declarações de suspeição em cascata talvez sejam decorrentes da opinião pública forjada por fases midiáticas, audiências de custódia transmitidas em tempo real, vazamentos para imprensa, o uso estratégico do direito para aniquilar um inimigo etc. O contraditório começa a ser efetivamente exercido e o processo não é mais a visão unilateral da acusação. Os motivos de foro íntimo são subjetivos e a lei autoriza o magistrado a assim proceder. A defesa deixa claro que confia e acredita em um julgamento justo”, observa Cavalcanti.

Outros advogados ouvidos pelo Site Consultor Jurídico (ConJur) ressaltam que a justificativa para a desistência de juízes em analisar as denúncias pode estar numa possível ausência de provas robustas e fatos concretos, conforme determina a lei, além da prática de lawfare. O somatório de problemas poderia inviabilizar o julgamento, pois é difícil alguém ter a iniciativa de colocar o futuro de sua carreira em jogo para corroborar acusações que deixariam dúvidas sobre a participação dos acusados nos crimes.

Lawfare é uma palavra-valise introduzida nos anos de 1970 e que originalmente se refere a uma forma de guerra na qual o Direito é usado como arma. Basicamente, seria o emprego de manobras jurídico-legais como substituto de força armada, visando alcançar determinados objetivos de política externa ou de segurança nacional.

“As acusações contra Ricardo Coutinho são irresponsáveis e levianas. A Operação Calvário prosperou no início porque ainda havia no país o clima do lavajatismo de Curitiba. Com a total desmoralização desse método; e agora que a máscara de Moro e dos seus asseclas caiu, é natural que os juízes não queiram se envolver no caso. O juiz que decidir com as provas e absolver Ricardo criará um conflito com o Gaeco. Não há provas para condenar. Ninguém quer se indispor. Então, a solução dos juízes é alegar suspeição. Nos bastidores é o que acontece”, afirma Agassiz Almeida Filho, professor de Direito Constitucional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).

“Isso traz à tona um fato grave. O Ministério Público leva o julgamento para o lado pessoal e não admite nenhuma decisão além daquela que confirme o que ele apresenta na denúncia. Telefonemas, mensagens, indiretas. A pressão é muito grande. É a negação do Direito. Esse setor desgovernado do Ministério Público deve voltar à Constituição e à democracia. Não há outro caminho”, vaticina.

O professor de Direito Constitucional da PUC-SP Pedro Serrano avalia que os juízes paraibanos “não devem ter prosseguido porque se julgam parciais, de alguma forma, para julgar a demanda. Eles têm um impedimento. Difícil saber qual a razão. Mas um juiz tem o direito de se declarar impedido”.

Entretanto, Serrano é explícito ao citar que “tudo o que acontece na Paraíba é muito estranho”. “Ricardo Coutinho é vítima de processos penais de exceção. Ou seja, processos penais que têm uma aparência de cumprimento do Direito, têm uma aparência de cumprimento da Constituição. Mas no seu conteúdo material não são jurídicos. São ações políticas, tirânicas de persecução ao inimigo”.

A Operação Calvário na Paraíba, iniciada em 2019, foi associada à Operação Lava Jato de Curitiba por causa dos métodos empregados pelo Ministério Público para elaborar as acusações. O coordenador do Gaeco da Paraíba, Octávio Paulo Neto, foi chamado pela imprensa local de “Dallagnol da Paraíba”, em referência ao coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol. O desembargador Ricardo Vital, do Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB), passou a ser conhecido como o “Sérgio Moro da Paraíba”.

O juiz da Lava Jato, Sergio Moro, foi posteriormente considerado incompetente e parcial pelo STF. A avaliação da comunidade jurídica hoje também é de que os métodos da acusação extrapolaram os direitos fundamentais dos cidadãos, além de desrespeitar a Constituição Federal.

Em uma outra investigação com grande repercussão na Paraíba, apelidada de Xeque-Mate, em 2018, cinco juízes haviam se declarado suspeitos para atuar no julgamento das acusações. Três anos depois o processo foi julgado e o acusado pelo Gaeco, o empresário Roberto Santiago, condenado. Em outubro de 2021, a sentença do TJPB acabou anulada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que reconheceu a competência da Justiça Eleitoral para julgar o caso.

O desembargador Saulo Benevides, presidente do TJPB e que esta semana responde como governador interino da Paraíba, vem anunciando à imprensa local que planeja criar uma vara específica dentro do tribunal para tratar exclusivamente de processos relacionados à corrupção e agilizar julgamentos.



Fonte: Espaço PB com Site Consultor Jurídico (Eduardo Reina) – Foto: Reprodução – Contato: jorgerezende.imprensa@gmail.com

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