Moradora de comunidade ameaçada de despejo rompe barreira social e se forma na faculdade

Publicado em: 12/09/2020 às 10:55
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Filha de uma empregada doméstica, criada sem a presença do pai, moradora da Comunidade do Porto do Capim, localizada no Bairro do Varadouro, no centro histórico de João Pessoa, a estudante Joyce Lima (na foto) será a primeira integrante de sua família a se formar em um curso superior. Isso está sendo possível depois das políticas púbicas na área da educação implementadas ainda nos governos do Partido dos Trabalhadores (PT), dos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff.

A formação de Joyce estaria servindo “de orgulho para toda a comunidade onde ela reside”. Aliás, uma comunidade ribeirinha da capital paraibana que atualmente vive um clima de tensão e ameaçada de despejo por parte da Prefeitura de João Pessoa (PMJP), que quer dar continuidade no local ao Projeto Ecológico Parque Sanhauá, cuja primeira etapa foi entregue em fevereiro deste ano. A prefeitura vem tentando deslocar os moradores da comunidade tradicional ribeirinha que vive no antigo porto da cidade, às margens do Rio Sanhauá.

Prestes a concluir o Curso de Serviço Social pela Faculdade Maurício de Nassau, em João Pessoa, Joyce é estagiária da 2ª Vara da Infância e Juventude de João Pessoa, graças a um convênio que o Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB) mantém com o Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE). Por meio desta parceria, o Poder Judiciário paraibano contrata estagiários para atuar em vários setores.

A juíza titular da 2ª Vara da Infância de Juventude, Antonieta Maroja, explica que, na parceria com a Nassau, o TJPB, por meio das Varas da Infância e Juventude, cumpre seu dever social de democratizar conhecimentos e ainda recebe a ajuda de estudantes de diversas áreas de graduação. “Eles colaboram e oxigenam a prestação jurisdicional em sua mais ampla acepção. É uma feliz troca de saberes e experiências”, ressaltou.

Segundo a magistrada, a parceria é de extrema importância para o aperfeiçoamento profissional dos jovens. “Joyce é uma prova real dos benefícios que o estágio pode trazer. Além de inteligente, ela é uma garota dedicada, focada e já demonstra onde e como quer atuar”, comentou a magistrada.

Além de ser considerada uma liderança atuante no local onde mora, ela serve de inspiração para os jovens e crianças do Porto do Capim. Joyce sempre estudou em escolas públicas próximas de sua casa. “Me formar em um curso superior sempre foi meu grande sonho. Na minha família, serei a primeira pessoa a conseguir um diploma universitário. Não é só um diploma que importa, mas exercer minha profissão, com muito orgulho e garra”, comentou. Quando terminar o curso, ela pretende atuar na comunidade, no segmento da habitação.

A mãe da estagiária, Joceane da Silva, criou Joyce sozinha, trabalhando como empregada doméstica. “Não foi fácil. Ela e meu filho são dois exemplos de vida. São eles que me ensinam. Criei os dois sem a presença do pai. Para conseguir um bom trabalho, é preciso estudar”, disse emocionada.

Danos materiais e morais

Esta semana, a Defensoria Pública do Estado da Paraíba (DPE-PB) entrou com um pedido de indenização por danos materiais e morais coletivos em favor da Comunidade do Porto do Capim, no valor de R$ 100 mil. A ação em desfavor da Prefeitura de João Pessoa também pede a suspensão de demolições e que sejam retirados os resíduos e entulhos dos imóveis que foram demolidos na localidade.

Embora exista uma decisão que proíbe a PMJP a tomar medidas para remover ou a realocar moradores que não desejam retirar-se voluntariamente da comunidade ribeirinha até a suspensão do estado de calamidade pública decorrente da pandemia do novo coronavírus, as residências dos moradores que optaram por deixar a comunidade continuam sendo demolidas pelo poder público, colocando as pessoas que residem na localidade em risco de contágio e disseminação do vírus causador da covid-19.

Ainda de acordo com a ação, os resíduos deixados pela PMJP ao realizar demolições na área do Porto do Capim “são ilegais e causam danos ao meio ambiente e à comunidade ribeirinha, que enfrenta dificuldades na locomoção, ficam expostos a doenças, além da poluição ambiental e visual ocasionada pelos escombros”.

“Ocorre que, apesar de ser o ente responsável pela limpeza urbana, a Prefeitura de João Pessoa não tem retirado os resíduos produzidos pelas demolições, nem sanado os danos causados aos moradores do Porto do Capim”, reclama a subcoordenadora do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública, Lydiana Cavalcante.

Ela explica que a prefeitura determinou a demolição dos imóveis dos moradores que decidiram deixar o local em acordo com a PMJP para evitar a ocupação das casas por outras pessoas. “Todavia, tal medida está ocasionando danos aos moradores que não aderiram ao acordo, uma vez que os resíduos e danos provenientes das demolições não estão sendo removidos ou sanados pela prefeitura, causando, assim, uma série de violações aos direitos da comunidade tradicional ribeirinha”, pontua a ação.

Entenda o caso

Para dar continuidade ao Projeto Ecológico Parque Sanhauá, cuja primeira etapa foi entregue em fevereiro deste ano, a PMJP vem tentando deslocar a comunidade tradicional ribeirinha que vive no Porto do Capim. Em maio de 2019, a prefeitura iniciou a demolição dos imóveis cujos moradores aceitaram o acordo junto ao município. A maior parte da comunidade, entretanto, não aceitou a proposta apresentada, e permanece no local e protesta contra a realização do projeto.

“Reconhecidos pelo Ministério Público Federal (MPF) como comunidade tradicional, os moradores do Porto do Capim enfrentam hoje, para além das reiteradas violações de direitos culturais e humanos perpetradas pelo poder público e por parte da sociedade, dificuldades no que se refere à locomoção, à segurança, à moradia digna e à saúde”, ressalta a defensora pública.

A Comunidade do Porto do Capim é formada por mais de 500 famílias e está distribuída em quatro núcleos: Rua do Porto; Vila Nassau; Vila Frei Vital e Praça XV de Novembro, todos localizados no Bairro do Varadouro.

A ocupação das instalações do antigo porto comercial da capital – transferido para o município de Cabedelo em 1935, devido ao assoreamento do Rio Paraíba – ocorreu na década de 1940 por famílias de trabalhadores desempregados com o fim das atividades portuárias e das casas comerciais e de prestação de serviços.



Fonte: Espaço PB – Jorge Rezende com Gecom-TJPB (Fernando Patriota) e Ascom-DPE-PB (Larissa Claro) – Foto: Divulgação – contato@espacopb.com.br

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