Viver a morte; jamais morrer em vida (2) – Jorge Rezende

Publicado em: 19/10/2024 às 12:10
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Voltando a enfatizar o que registrei no texto anterior (primeira parte), Carlos Alberto Farias de Azevedo, ou “simplesmente” o cientista social, antropólogo, arqueólogo e educador Carlos Azevedo, é, sim, um verdadeiro tesouro da intelectualidade paraibana. Mas o que me leva a dar continuidade ao assunto relacionado a ele? A resposta é simples: o tema morte, tão bem compreendido e tratado com esmero pelo professor Carlos Azevedo. Convicções que nos aproximam ainda mais.

Em seu texto publicado neste mesmo espaço na edição de 4 de outubro de 2024 de A União, sob o título ‘Da próxima vez, fogo!’, Carlos Azevedo, “pra variar”, assustou mais uma vez seus leitores. A quase totalidade deles interpreta – ou interpretou – que Azevedo estaria “chamando” a morte, se despedindo da vida... Até eu fiquei um tanto ressaltado. Todavia, relendo o texto e me travestindo da visão sobre a morte a que o professor sempre enfoca, compreendi, novamente, o que Carlos Azevedo, hoje aos 83 anos, quer dizer: temos que nos preparar para a morte, assim como achamos que estamos sempre preparados para a vida.

Naquele seu texto, ele deixa claro o desencanto com o mundo atual, aludindo ao sociólogo alemão Max Weber (1864–1920). “Perdi a alegria de viver” (...) Me perdi totalmente. Vivo, hoje, num mundo absurdo (...)”. E para dar tranquilidade aos que o conhecem, deixou bem claro: “(...) Não vou me matar, não, viu? Vou, sim, para o planeta Vênus. Já estou com as minhas malas arrumadas para ir para Vênus, o planeta do amor.”. Uma bela metáfora para quem “se prepara lucidamente para morrer”.

Este é o mais paraibano dos paraibanos com espírito e perfil “anarco-ateu”. Talvez o resultado “químico-físico” de quem teve uma mãe que misturava religiões, crenças – herança da cultura sefardita (cultura dos judeus descendentes das comunidades judaicas da Península Ibérica) – e de um pai materialista, um anarco-sindicalista convicto. O pai sempre ria da sua mãe, por seu “judaísmo cheio de superstições”.

Nos últimos quase seis anos, os textos semanais de Carlos Azevedo na seção Memorial de A União têm proporcionado ao leitor verdadeiras aulas: de comportamento social; filosofias de vida e política; cultura; religião e crenças; e, principalmente, de história. Muita história. E muitas revelações até então desconhecidas por muitos. Ocorrências relevantes de sua trajetória de vida e da memória político-social da Paraíba, do Brasil e do mundo. Um universo “carlosazevediano”.

Sem exageros, todos os seus artigos semanais mexeram com a gente – não sei com qual intensidade para com os outros leitores –, mas comigo me deixaram marcas importantes, a exemplo de quando registrou que a Escola Técnica de Comércio, em João Pessoa, que funcionava no antigo palacete de Ademar Vidal, foi “onde, em fins de dezembro de 1928, o escritor e etnógrafo Mário de Andrade se hospedara, fugindo dos mosquitos e muriçocas que infestavam o Hotel Luso-Brasileiro, no Varadouro”. Ou seja: “Ninguém, ou quase ninguém, sabia que o autor de ‘Macunaíma’ passara quinze dias no solar do doutor Vidal.”.

Ou o texto ‘Tempo morto (1964)׃ fuga’, em que ele conta que, fugindo da perseguição da ditadura militar, foi “se esconder no lugar errado. Na casa de uma burguesa neurótica”, que reclamava o dia inteiro. “Reclamava do sobrinho, da empregada, de mim, do mundo. De tudo e de todos.”. A “neurótica” disparava: “Quero que você deixe esta casa hoje. Já basta ter que acoitar o meu sobrinho, um comunista safado”. Assim, Carlos Azevedo partiu para Recife, recorrendo ao seu amigo Heinrich von Gestern, o “Alemão”, que estava morando na Praia do Pina.

Detalhe: para imprimir sua fuga, Marina Varandas, uma tia de Carlos Azevedo, arranjou uma batina velha para ele, tinha sido de um seminarista da família Abath. “De batina, batina folgada, dançando no meu corpo, tomei o ônibus para Recife”. Na viagem, ele se sentou junto a uma senhora ainda jovem, simpática, atraente, “muito atraente mesmo”, que se dizia devota de Santo Expedito. No fim da viagem, os dois terminaram se beijando, se acariciando.

Porém, um dos artigos de Carlos Azevedo que mais me marcaram – e emocionaram – foi aquele em que conta sobre sua irmã mais velha que morreu afogada no Rio Sanhauá. “Ela era belíssima, tinha cabelos pretos, sedosos, compridos. Seus olhos verdes me fascinavam. Era faceira, muito faceira a minha irmã”, registrou o intelectual de tantas obras publicadas, a exemplo da nova edição de ‘Descrição Geral da Capitania da Paraíba’, de Elias Herckmans; ‘Antropologia Cultural’; ‘Arqueologia – estudos & pesquisas’; ‘Quimeras’; ‘O Vale dos Dinossauros’; ‘Nosso Passado Terá um Futuro?”; ‘Saber com Sabor’; ‘Arqueologia – Estudos e Pesquisas’; entre outras tantas.



Fonte: Espaço PB com jornal A União (texto originalmente publicado na seção Memorial, da edição do dia 15 de outubro de 2024) – Foto: Pixabay – Contato: jorgerezende.imprensa@gmail.com

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