Viver a morte; jamais morrer em vida (1) – Jorge Rezende

Publicado em: 14/10/2024 às 18:55 - Atualizado em: 14/10/2024 às 20:08
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Era um projeto que já durava mais de vinte anos. Tentei colocá-lo em prática nos vários veículos de comunicação por onde atuei. Nunca dava certo. Alegavam de tudo: falta de espaço; não fazia parte da linha editorial do veículo; poderia “atrapalhar” o setor comercial do jornal, numa época em que entrava um bom dinheiro com as notas de falecimento e de missas do sétimo dia; ou até que não haveria público-leitor. Nada disso! Na verdade, não queriam um espaço para falar da morte, como se o tema fosse um “agouro”, mórbido demais, podendo “atrair coisas ruins”.

O tempo passou e quis o destino que eu reencontrasse a amiga e também jornalista Albiege (Bia) Fernandes quando assumi, no início de 2018, a editoria-geral do jornal A União. Bia, então superintendente desse diário (em 2019, surgiu a Empresa Paraibana de Comunicação – EPC –, consolidando o sistema público de comunicação do governo da Paraíba, congregando o jornal A União, a Rádio Tabajara, a Rádio Parahyba FM, a Gráfica A União e a Editora A União), acolheu a minha ideia. Descobri, assim, que Albiege nutria o mesmo pensamento que sempre tive em relação ao tema morte. Foi uma convergência de sentimentos no momento certo; e a necessidade de termos um espaço específico para obituários.

Dessa forma nasceu a seção Memorial, estreando na edição do dia 2 de novembro (Dia de Finados) de 2018. Ainda receosos de como seria a reação do público-leitor e dos “amigos do rei” (já que o jornal é estatal e muita gente julga certas coisas para “preservar a imagem” do governador do momento), obtivemos um retorno positivo dos assinantes e parceiros do jornal. Ficamos felizes que uma página diária falando de morte, com matérias pertinentes ao tema, lista de obituários, datas históricas de falecimentos, pensamentos (aforismos) etc., já não assustava tanto assim.

Com poucos dias de vida, o Memorial já atraía leitores assíduos que, com o tempo, se tornaram “sócios efetivos” da seção (que nos bastidores, de forma humorada e respeitosa, chamamos de “página pé-na-cova”). E o primeiro e-mail que recebi fazendo elogios e saudações ao Memorial foi de “um tal” de Carlos Alberto Farias de Azevedo (na foto). Não conhecia a pessoa, mas, como editor da página, fiquei extremamente feliz, entusiasmado e estimulado a investir cada vez mais no até então projeto Memorial.

Falei do e-mail para Albiege. Foi ela quem me disse sobre e quem era o professor Carlos Azevedo. Fiquei até envergonhado, pois, mesmo com tanta estrada na imprensa paraibana, não sabia quem era Carlos Azevedo. Como deixei de perceber a existência de um paraibano dessa estirpe? Cientista social, antropólogo, arqueólogo e educador, Carlos Azevedo é um verdadeiro tesouro da intelectualidade paraibana. Marxista, foi perseguido pela ditadura do governo militar (AI 5, de 1968). Teve que deixar o país. Andou o mundo – fixou moradia por longo período na Alemanha –, retornando ao Brasil mais de trinta anos depois do golpe de 1964.

Poliglota, conviveu e conheceu uma plêiade de intelectuais, pensadores, artistas, escritores, antropólogos e sociólogos de reconhecimento internacional, na Europa e por aqui pela América Latina. Só para exemplificar, era amigo de uma Lygia Fagundes Telles e colega de um Gilberto Freyre. Quando voltou para o Brasil, poderia muito bem – exemplificando mais uma vez – ter fixado sua vida em São Paulo, onde, imaginamos (eu e alguns outros), ele teria sido muito mais bem tratado e reconhecido por suas atividades, principalmente a de pesquisador e historiador.

Escolheu voltar à sua Paraíba. Aqui em João Pessoa, o professor Carlos Azevedo, por seu perfil “anarco-ateu”, não é muito de circular nos grupos de intelectuais, nas rodinhas e panelinhas literárias dos bambambans paraibanos. Dessa maneira, ele aparece pouco e não tem o reconhecimento que merece. Mas desde o início (graças a Albiege) percebi a importância do professor. Ele foi o primeiro colunista fixo da seção Memorial. Nasceu, então, uma amizade entre nós, que já dura quase seis anos. Detalhe: moramos na mesma cidade, temos alguns amigos em comum, “dividimos” as mesmas teses sobre a morte, mas nunca estivemos pessoalmente um com o outro. Foram raros os contatos por telefone e trocas de e-mails.



Fonte: Espaço PB com jornal A União (texto originalmente publicado na seção Memorial, da edição do dia 8 de outubro de 2024) – Foto: Arquivo Pessoal – Contato: jorgerezende.imprensa@gmail.com

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