Poeta paraibano tem obra preservada no Rio Grande do Norte e sua trajetória é contada em livro lançado em Pernambuco

Publicado em: 20/11/2020 às 04:25
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Foi-se o tempo em que os museus viviam apenas do passado. É pensando no futuro que o Museu Câmara Cascudo, em Natal, no Rio Grande do Norte, lança nesta sexta-feira (20) uma campanha de financiamento coletivo pela internet para garantir a preservação das matrizes de xilogravura do paraibano José Costa Leite, um dos maiores acervos da Região Nordeste.

O projeto foi selecionado no edital Matchfunding BNDES+ 2020, do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e precisa arrecadar parcela dos recursos a partir de doações para garantir o financiamento total do projeto.

A ideia do museu, mantido pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), é garantir a preservação de mais de 600 matrizes de xilogravura do poeta paraibano que estão guardadas precariamente em sua casa, no município de Condado, no estado de Pernambuco. O poeta e xilogravurista de 93 anos é reconhecido nacional e internacionalmente tanto por seus poemas quanto por suas ilustrações, além de ser editor e vendedor de folhetos de cordéis nas feiras da região de Condado.

Agora, em seu aniversário de 60 anos, o Museu Câmara Cascudo quer celebrar o talento do artista paraibano e preservar seu acervo de matrizes. A proposta do projeto é compartilhar a sensibilidade e a imaginação de José Costa Leite com todos os que ainda não tiveram o prazer de conhecê-lo. O projeto prevê a compra e a digitalização de todas as peças e a divulgação do acervo pela internet. Depois, o material passa a fazer parte de exposições e publicações sobre a arte da xilogravura dirigidas a públicos cada vez mais amplos e diversificados.

Financiamento Coletivo

As regras do matchfunding são as mesmas de uma campanha de financiamento coletivo. O projeto é divulgado por meio do portal Benfeitoria – contratado pelo BNDES para viabilizar o edital –, no qual todo o funcionamento do projeto e o uso do dinheiro são explicados aos apoiadores. Os participantes recebem recompensas de acordo com o valor doado – e vão desde agradecimentos nas redes sociais, para os menores valores, até uma matriz de xilogravura inédita de José Costa Leite, para quem escolher a doação máxima.

A diferença é que, para cada real investido na campanha através do site, o BNDES investe outros R$ 2,00 no projeto. A campanha segue até o dia 20 de dezembro, quando a meta de R$ 121 mil precisa ser alcançada, ou o projeto não será financiado. Os valores das doações vão de R$ 10,00 a R$ 5 mil e ainda podem ser parceladas em até seis vezes, no cartão de crédito.

Os recursos financeiros serão gerenciados pela Fundação Norte-Rio-Grandense de Pesquisa e Cultura, que também está responsável por toda a gestão burocrática do projeto. A partir desta sexta-feira, as equipes do museu e da UFRN começam o trabalho de mobilização para garantir a arrecadação dos recursos com a comunidade universitária, os amigos do museu e os amantes da cultura. Qualquer pessoa pode participar da campanha com doações ou compartilhando a página nas redes sociais. Para participar da campanha, clique aqui.

Os primeiros trabalhos de Costa Leite foram lançados ainda no final dos anos de 1940, com os cordéis ‘Eduardo e Alzira’ e ‘Discussão de José Costa com Manuel Vicente’. Foi somente no terceiro título que Costa Leite decidiu improvisar a ilustração da capa em xilogravura. Dali para frente, não parou mais.

Já nos anos de 1960, seu trabalho de xilógrafo ganha status de obra de arte e passa a ser exposto em museus do Brasil e do exterior. Em 2005, participa de uma exposição no Musée du Dessin et de l’Estampe Originale de Gravelines, na França, onde também ministra oficinas sobre o seu trabalho. Em 2007, aos 80 anos, foi homenageado pelo governo da Paraíba e, um ano antes, recebeu o título de ‘Patrimônio Vivo de Pernambuco’ do governo pernambucano.

Registro em livro

As idas às feiras públicas da Zona da Mata de Pernambuco acompanhando o pai agricultor aguçaram a escuta do cordelista José Costa Leite ainda menino. Ouvir os repentistas e contadores que interagiam com os passantes fez ele começar a aprender a ler e anos depois transformar a atividade no ofício que o tornou ‘Patrimônio Vivo de Pernambuco’, em 2006.

Com os folhetos em mãos, arrastando uma mala com centenas de exemplares, Costa Leite atravessou a vida declamando e oferecendo seus escritos ao público. Em 27 de julho deste ano, dia em que celebrava 93 anos, sua trajetória foi publicada no livro ‘Histórias e práticas culturais do poeta José Costa Leite’ (Editora Appris), do historiador Geovanni Gomes Cabral, à venda nas livrarias. O lançamento seria realizado em Condado, na Mata Norte, cidade onde mora o cordelista, mas precisou ser adiado devido a pandemia.

Nascido em Sapé, na Região do Brejo da Paraíba, Costa Leite se mudou com a família para Condado, aos 11 anos, onde passou a trabalhar nos engenhos de cana-de-açúcar. Sem acesso à escola, teve a alfabetização aliada aos primeiros versos escritos imitando o cordel. Aos 20 anos, vendeu os primeiros folhetos nas feiras.

“Os folhetos não tiveram muito sucesso, mas fizeram com que ele continuasse a escrever”, conta Geovanni Cabral, que transformou a trajetória de Costa Leite em sua tese de doutorado. Em 1949, o cordelista começou a produzir tacos de madeira para os primeiros esboços de xilogravura, gravando neles a imagem que ilustra seu terceiro título, ‘O rapaz que virou bode’. “Aos poucos, ele se revelou um grande xilógrafo. Passou a receber encomendas de Giuseppe Baccaro, da Casa das Crianças de Olinda”.

Dez anos depois, o cordelista enveredou no ramo dos almanaques. “Costa Leite é um artista completo, exerce todas as atividade ligadas à literatura popular e, de feira em feira, tornou suas obras conhecidas”, frisa o autor. “Em 2010, eu iniciei o doutorado e, em seguida, conheci Costa Leite. Na época, ele ainda ia à feira, arrastando sua mala cheia de folhetos, almanaques e xilogravuras”, lembra Cabral.

Aventura, amor, cotidiano, festas e religião são alguns dos temas preferidos do artista popular. “Ele vendia no banco da feira e usava um microfone no pescoço. Chegou a vender dez mil exemplares. Mas era criterioso: não escrevia sobre política, dizia que deixava isso para os outros”. Costa Leite já expôs sua obra nos Estados Unidos, França e Chile, além de vários estados brasileiros. Hoje, conta com um acervo de manuscritos inéditos e mais de 500 títulos publicados, alguns deles editados pela recifense Coqueiro, especializada em literatura de cordel.

“A ideia de pesquisar a trajetória de José Costa Leite surgiu no mestrado. Eu estava pesquisando sobre os folhetos, de 1945 a 1954, de Getúlio Vargas e achei as xilogravuras e folhetos dele. 'Quantas temáticas, quantas histórias', pensei. Logo quis organizar um projeto para trabalhar a obra do poeta, a dinâmica das feiras em revelar e alimentar o ciclo produtivo dos artistas populares da época”.

O historiador conta que tem um carinho imenso pelas obras do poeta. “Considero Costa Leite o andarilho da poesia, da feira. Toda a expressividade que ele tem vem das feiras públicas, da voz, da rua, dos encontros. Cada dia que eu ia acompanhá-lo na feira ou conversávamos, era algo fantástico”, recorda.

O livro é composto ainda por relatos de amigos e familiares e documentações que mostram como o poeta e a memória são importantes para pensar a literatura e as práticas culturais. “A trajetória de Costa Leite envolve trabalho de memória, de pensar a feira na década de 1960, onde os poetas despontaram na literatura de cordel. Remete, inclusive, à memória do Mercado São José”, conclui.



Fonte: Espaço PB com Agecom-UFRN (Iano Flávio Maia) e Diário de Pernambuco (Juliana Aguiar) – Foto: Geovanni Cabral – contato@espacopb.com.br

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