PELO VOTO OU PELA CANETA? Sobre democracia, justiça e morosidade

Publicado em: 14/07/2020 às 13:10 - Atualizado em: 14/07/2020 às 13:21
Foto

Por Raffael Simões

A interferência do judiciário na política não é coisa nova, entretanto, nos últimos anos, este poder tem ostentado um protagonismo no cenário político e eleitoral que, por muitas vezes, causa preocupação e liga um alerta para os perigos de tirar das mãos do povo o poder de escolher seus caminhos. Não que a política deva ser imune ao escrutínio da justiça e tampouco ao cumprimento das leis, de forma alguma. Porém, quando uma decisão judicial afasta um representante eleito pelo voto popular para um cargo a termo, cada dia que perdura a ordem precária, é um dia a menos de exercício da democracia.

O caso do agora ex-prefeito Berg Lima na cidade de Bayeux é um dos retratos desse problema que acontece diariamente país a fora. Berg Lima foi eleito por maioria popular para o cargo máximo do executivo municipal cujo mandato deveria perdurar de janeiro de 2017 a dezembro de 2020. Deveria, pois, em julho de 2017, o alcaide foi preso num suposto flagrante por ter recebido dinheiro ilicitamente de um empresário da cidade e afastado do cargo. À época, a defesa do prefeito alegou que se tratava de uma armação política.

Mesmo após sua soltura, continuou afastado da cadeira de prefeito, retornando ao cargo somente mais de um ano e cinco meses depois por uma decisão do Superior Tribunal de Justiça e uma liminar concedida pelo TJPB. Após quase um ano e meio, voltou a exercer o cargo de prefeito, mas sem que nenhum processo contra si tivesse sido julgado, sem que o judiciário se manifestasse sobre a sua culpa ou inocência.

De volta ao exercício do mandato para o qual foi eleito, o então prefeito seguiu tocando sua gestão até que, em maio de 2020, ano eleitoral, o Tribunal de Justiça da Paraíba afastou Berg Lima novamente ao receber denúncia em outro processo referente ao seu primeiro pedaço de mandato.

Causou estranheza no meio jurídico a decisão, uma vez que a narrativa trazida pela acusação, ainda que se comprove na sua verdadeira totalidade, traz situações que já são há muito tratadas pelos tribunais superiores como fatos atípicos, ou seja, não configuram crime algum. Ficou a sensação que a decisão se deu mais como extensão do afastamento pelo primeiro processo do que por aquele que estava sendo de fato analisado. Isso, junto à demora nos julgamentos, não comprova mas dá munição ao ex-prefeito para sustentar a tese de perseguição política e judicial.

Juridicamente, todo cidadão goza da presunção de inocência, portanto, assim deve ser tratado até decisão final que o condene. Politicamente, vale a máxima da mulher de César: não basta ser honesto, é preciso parecer honesto. Entretanto, ao direito e aos juízes só cabe a análise jurídica, esta última, sobre moralidade e dignidade para exercício do cargo, cabe ao eleitor decidir nas urnas. Quando o judiciário toma para si essa obrigação moral de dizer quem é bom ou não para estar no cargo, com uma canetada faz de nada valer os votos de milhares de cidadãos.

Hoje, Berg Lima renunciou ao cargo. Encerra-se a discussão sobre afastamentos e seguem os processos quanto à discussão da sua culpabilidade ou não, mas o estrago já está feito. Dos quatro anos que recebeu legitimamente, no voto, do povo de Bayeux para administrar a cidade, só lhe foi permitido cumprir metade. Mais grave ainda, sai do poder sem que a justiça tenha dado ao povo de Bayeux uma definição: Berg foi um prefeito culpado pelos crimes que lhe acusam afastado do cargo legitimamente ou um prefeito legitimamente eleito que foi injustamente impedido de exercer o mandato popular?  

 

Raffael Simões é advogado criminalista e professor de processo penal.

 



Fonte: Espaço PB – Redação: contato@espacopb.com.br

Comentários: