Paraíba registrou apenas 7,24% de candidaturas negras em 2020

Publicado em: 22/11/2020 às 20:40
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Dos 12.519 nomes que se candidataram para as eleições em 2020 na Paraíba, apenas 907 (7,24%) se declararam pretos, um número bem abaixo dos 4.447 (35,52%) brancos registrados no mesmo pleito. Os dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) revelam que o cenário, apesar de pouco favorável às candidaturas negras, mostra um aumento em relação aos números da eleição de 2016, quando 745 (6,21%) pessoas autodeclaradas pretas participaram da disputa.

Com 223 municípios, o estado teve apenas 24 (2,65%) pessoas pretas disputando o cargo para comandar prefeituras, enquanto outros 27 (2,98%) lançaram os nomes para a vice. A maior parte dos registros de candidaturas foi para o cargo de vereador, 856 (94,38%). Caso de Jô Oliveira (PCdoB) – na foto – que, aos 39 anos, se tornou a primeira mulher negra a ser eleita para a Câmara Municipal de Campina Grande.

“Estamos em 2020 e só agora temos uma mulher negra (no Legislativo). Temos um processo em uma cidade que nunca elegeu uma mulher para prefeita. Isso mostra o quanto a cidade precisa avançar nesta construção”, reflete. Neste ano, foram 298 (32,86%) mulheres e 609 (67,14%) homens negros na disputa municipal. O total de pessoas que se autodeclararam brancas foi de 1.569 mulheres e 2.878 homens.    

Para a vereadora eleita em Campina Grande, esse é um retrato do que vem se repetindo em outras cidades do estado e do Brasil. “Precisamos de condições iguais para concorrer. Precisamos fazer esse debate sobre a nossa ótica e também com recursos financeiros para termos condições de disputar com essas pessoas que já têm uma carreira política consolidada, com grandes estruturas. O processo é injusto”, lamenta. Jô ressalta que ainda não há pessoas negras suficientes que possam representar a pauta no debate político e que é necessário “provocar nas pessoas a necessidade dessa abordagem dentro da política”.

Jô Oliveira é formada em Serviço Social pela Universidade Estadual da Paraíba, mesma instituição onde finalizou o seu mestrado, o que também não é uma realidade comum dentro das postulações negras. De acordo com os dados da Justiça Eleitoral, do total de negros que disputou as eleições deste ano na Paraíba, a maioria - 329 (36,27%) - possui apenas o Ensino Médio completo. Há, contudo, outros dois dados que chamam a atenção. O número de negros que possuem apenas o Ensino Fundamental incompleto é similar aos que possuem formação superior: 167 (18,41%) contra 163 (17,97%), respectivamente. Apenas uma pessoa se declarou analfabeta.

Em relação à questão partidária, a legenda que mais lançou candidaturas negras foi o Cidadania com 77 (8,49%), seguida pelo Republicanos com 70 (7,72%). Em terceiro lugar aparecer o Democratas com 62 (6,84%) e o PL, em quarto, com 60 (6,62%) candidaturas. Já os partidos com menos candidaturas negras são também os partidos com menos candidatos no quadro geral, incluindo-se o PMN, o UP e o PTC, todos com apenas uma postulação, equivalente a 0,11%.

Assim como ocorre no registro geral de candidaturas, a faixa etária dos 40 aos 50 anos agregou o maior número de pessoas declaradas pretas. Foram 309 (34,07%). Os mais jovens representaram apenas 3,53% (32) das candidaturas na faixa etária dos 18 aos 24 anos.

Paraíba tem longo caminho no debate

No Brasil, de modo geral, o número de candidaturas consideradas negras cresceu desde 2014, quando o TSE passou a coletar essas informações. Neste ano, foram cerca de 215 mil candidatos pardos e aproximadamente 57 mil pretos, o que equivale a 49,9% dos registros. O número foi maior do que as candidaturas brancas que representaram 47,8% do total. Na Paraíba o número de pardos também é elevado. Foram 6.793 (54,26%) registros de candidaturas este ano, um número maior do que o registrado em 2016, quando 6.023 (50,2%) pessoas se declaração pardas.

Para o movimento negro na Paraíba o problema é estrutural e afeta a formação e liderança dos partidos políticos que estariam focados em alcançar cotas partidárias, investindo em certas candidaturas, do que num projeto político. “Na Paraíba existe um caminho longo a ser percorrido. Os partidos políticos não têm uma pauta voltada para a população negra, não priorizam a discussão antirracista, principalmente os de esquerda, que continuam voltados para a discussão classista minimizando a importância da questão racial. E, nos partidos de direita, esse tema nem é cogitado”, analisa professor e pesquisador colaborador do Núcleo de Estudos e Pesquisas Afrobrasileiros e Indígenas da Universidade Federal da Paraíba (Neabi-UFPB), Danilo Santos.

 Danilo, que também é assessor de Projetos da Fundação Fundo Brasil Direitos Humanos (FBDH), destaca que um exemplo dessa atuação é que as candidaturas lançadas em uma eleição não se repetem no pleito seguinte. “Isso mostra como não se tem uma proposta, um projeto que vise o empoderamento da população negra dentro dos partidos políticos. A realidade ainda é muito aquém do que precisamos no estado da Paraíba”, continua.

Entretanto, mesmo apontando falhas na condução das políticas partidárias no estado, o professor reconhece que tem havido avanços no debate. “De qualquer forma, mesmo dentro desse universo, a gente consegue ter alguns avanços e isso é algo importante. Temos exemplos que nos ajudam a entender a urgência de se pensar um projeto político que possa levar em consideração os anseios e demandas da população negra, que é a grande maioria do nosso estado”.

De acordo com o Censo do IBGE de 2010, a população negra da Paraíba, somando pardos e pretos, ultrapassa os 50%. Mesmo assim, falta representatividade. “A sociedade brasileira e, consequentemente, a sociedade paraibana são extremamente conservadoras, basta ver a configuração dos vereadores eleitos em João Pessoa”, disse, lembrando que apenas uma mulher, branca, foi eleita este ano.

Entidades pedem incentivo ao voto negro

Após uma verdadeira batalha, o incentivo à participação negra nas eleições foi reconhecido este ano pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que aprovou a imposição aos partidos para o dinheiro do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral seja destinado de forma proporcional às campanhas de candidatas e candidatos negros. A obrigação passará a valer a partir da eleição de 2022 e inclui a proporcionalidade do tempo de propaganda na TV para postulantes negros.

Na ocasião, o então ministro do TSE, Luís Alberto Barroso, destacou que 'há momentos da vida em que cada um precisa escolher de que lado da história deseja estar'. "O Tribunal Superior Eleitoral afirmou que estamos do lado dos que combatem o racismo, dos que querem escrever a história do Brasil com tintas de todas as cores", afirmou. A decisão estimulou outras ações como a petição organizada este ano pela Coalizão Negra por Direitos para que o TSE estimule o voto em candidatos negros.

Para o Danilo Santos, que é ativista do movimento negro, a campanha nacional pelo voto negro, que surtiu efeito em algumas cidades do Brasil, é importante. Entretanto, ele pondera que é necessário pensar as postulações não apenas pela identidade racial e, sim, pela identidade com as pautas. “Essa campanha é importante desde que seja voltada para a construção de candidaturas conscientes, capazes de levar as bandeiras do movimento da população negra e da luta antirracista”.

Sobre o espaço dentro das legendas para as candidaturas negras, o professor enxerga que as legendas não conseguem entender o valor da população negra no processo eleitoral. “Não conseguem perceber que um partido político que reconhecer essa importância vai sair na frente, pelo simples fato de ser a maioria da população, então, é preciso que a gente tenha nestes espaços pessoas negras, homens e mulheres, que possam pautar isso”, sustenta. O professor conclui lembrando que é necessário pensar além das cotas eleitorais e que o racismo estrutural impede mais protagonismo da população negra no país.



Fonte: Espaço PB com jornal A União (Thaís Cirino) – Foto: Portal S1 – contato@espacopb.com.br

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