Opinião – Da fumaça e dos barulhos ao mundo moderno dos diagramadores – Jorge Rezende

Publicado em: 05/08/2022 às 08:10
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Uma espécie de neblina chegava ao teto. Ajudando a impregnar ainda mais as paredes com nicotina e alcatrão, o ar esfumacento era formado pelos cigarros consumidos dentro da redação – naquela época, o hábito do tabagismo não era proibido e repelido nos ambientes fechados. O barulho era ensurdecedor: os tec-tecs e trins incessantes das máquinas de escrever; os telefones (fixos, é claro, pois não existiam celulares) a tocar de maneira interminável; ruído de fax chegando; rusgas, cobranças e discussões de pautas e temas do dia entre redatores, repórteres, fotógrafos e chefes; o som constante das máquinas de telex recebendo as últimas notícias das agências; além, é claro, das gargalhas, gritos debochados e pilhérias intermitentes naquele clima de uma redação de jornal do início dos anos de 1990.

Em pé, encostado ao portal de entrada da sala de revisores, nos poucos intervalos sem material para revisar e aproveitando para também ajudar na produção de mais fumaça à redação, eu ficava com o olhar fixado – quase hipnotizado – em Rubão (o famoso Rubens Nóbrega), comandando a edição e decida ao mesmo tempo de três páginas daquele Correio da Paraíba, que na época comportava apenas 16 páginas – às vezes 20 –, em preto e branco.

Era um trabalho totalmente artesanal. Os títulos das matérias eram elaborados, calculados e contados em toques na máquina de escrever – nenhuma letra a mais ou a menos. Era uma arte. Trabalho árduo que mexia com a capacidade e a criatividade dos editores no fechamento de uma única página... Imaginem descer três dessas páginas ao mesmo tempo, com três diagramadores diferentes ao seu redor? É essa uma das imagens que mais se fixaram nas minhas lembranças de início de carreira no jornalismo. Rubens Nóbrega era um artista! Aquela proeza, que para ele deveria ser corriqueira, aguçava os meus sonhos de revisor: “Um dia vou ser repórter e depois editor e quero tentar fazer o que Rubens faz”, O tempo passou, fiz algumas coisas, mas hoje sei que Rubens é Rubens, não tem imitações.

E lá estava Rubão – também com o cigarro aceso no canto da boca (na época ele era adepto do tabaco) e os dedos fincados nos teclados da máquina –, concentrado em descer a capa do jornal, a página de Últimas e a página de Nacional. Tudo ao mesmo tempo e quase misturado. Sobre a grande mesa – com superfície de vidro para que os diagramadores pudessem utilizar o estilete no corte (literal) de fotos e na abertura “dos buracos” na página para “encaixar” essas mesmas fotos –, além da máquina de escrever, ficavam as folhas de lauda padronizada, as folhas de papel carbono, o “móio” de matérias dobradas ao meio e separadas em montinhos, tubinhos de cola e de corretor de texto, fotografias e, é claro, o cinzeiro.

Além da capacidade de Rubens em pensar e raciocinar ao mesmo tempo títulos e definir a localização das matérias nas três páginas distintas, o que também me fascinava era a habilidade e o profissionalismo dos três diagramadores que rodeavam e seguiam as orientações e as ordens do editor. Eram eles: Land Seixas, Paulo Maia e... me esforcei para lembrar do terceiro, mas não consegui.

Com lápis, borracha, caneta, estilete, cola, corretor líquido, calculadora, réguas comuns e uma inseparável régua de picas, os diagramadores calculavam o tamanho das matérias (havia muito corte de texto) em quantidade de linhas e colunas; tipo, famílias e quantidade de letras para cada título, que podia ser de uma linha só, duas e até três “pernas”; legendas; fotos-legendas etc. Tudo depois, após de editado e com suas respectivas “retrancas”, seguia para os digitadores e para os paginadores. Um trabalho extremamente artesanal, em que os diagramadores prezavam pelo conteúdo, o bom-senso, pela matemática, estética...

Em tempo, para que os leitores desavisados não se assustem, pica (palavra inglesa que se lê “paica”) é uma medida tipográfica anglo-saxã que corresponde, aproximadamente, a 4,23 milímetros, e se divide em 12 pontos tipográficos, diferentemente do sistema métrico decimal que divide as medidas em 10 partes. Então, o tamanho das matérias e dos títulos eram medidos em picas.

Hoje, a vida de um diagramador é outra. A arte, o domínio das técnicas e o bom-senso (e bom gosto) continuam de extrema importância e necessidade, mas a feitura (editoração) de uma página de jornal impresso está longe dos estiletes, réguas e picas da vida. Com a chegada da informática e dos inúmeros programas de edição, tudo hoje é diferente.

Aliás, tá tudo diferente mesmo: não tem mais fumaça e nem barulho nas redações. E o diagramador hoje é também design gráfico, arte-finalista e, no caso de A União, até programador visual, não é mesmo Paulo Sérgio, Bhrunno Maradona, Luciano Honorato, Joaquim Ideão, Ulisses Demétrio e Andrey Câmara?

Saudades de Klécio Bezerra!!! Deve estar diagramando as coisas do outro lado da vida, sempre com aquele humor e perspicácia do jeito dele... que era admirável. O amigo corintiano faz falta.



Fonte: Publicado originalmente na edição do dia 31 de julho de 2022 do Caderno Almanaque, do jornal A União – Foto: Reprodução – Contato: jorgerezende.imprensa@gmail.com

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