Líderes de povos indígenas na Paraíba criticam vetos a lei que prevê medidas de proteção

Publicado em: 11/07/2020 às 19:15
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Na última quarta-feira (8), o presidente Jair Bolsonaro sancionou com vetos um projeto de lei com medidas de proteção aos povos indígenas no Brasil enquanto o STF determinou a adoção de iniciativas para o mesmo público. Na Paraíba, líderes das tribos Tabajaras e Potiguaras comentaram as decisões.

Bruno Potiguara, que faz parte da liderança jovem da tribo, considera os vetos presidenciais muito graves.

“A gente ficou assustado com os vetos que o governo impôs mesmo sancionando (a lei). Ele coloca vetos como acesso universal à água, distribuição gratuita de materiais, a água é um direito básico da vida. A gente considera isso como um veto muito grave em relação à proposta que a lei previa”, contou.

Apesar da sanção e dos vetos no Plano Emergencial para Enfrentamento à Covid-19 nos Territórios Indígenas, no mesmo dia o ministro Luís Roberto Barroso determinou que o governo federal adotasse cinco medidas em proteção aos povos indígenas, como instalar uma Sala de Situação para a gestão de ações de combate à pandemia quanto a povos indígenas em isolamento ou contato recente.

“A gente enxerga essa omissão por parte do governo corroborando com um processo genocida dentro das terras indígenas com a presença do vírus”, declarou Bruno.

Os Potiguaras instituíram barreiras sanitárias ao redor das aldeias para controlar o acesso e conscientizar as pessoas sobre o uso de máscara, álcool gel e álcool 70%.

O cacique Ednaldo Silva, da tribo Tabajara, comemorou a determinação do STF. Entre a decisão de Barroso, o governo federal deverá garantir que indígenas em aldeias tenham acesso ao Subsistema Indígena de Saúde, independente da homologação das terras ou reservas indígenas.

“Foi um ganho muito grande pra nós povos indígenas, a maioria de nós Tabajaras somos desaldeados, somos 1.200 indígenas em toda a Paraíba, no Conde, Alhandra, Pitimbu, João Pessoa, com duas aldeias construídas e uma em construção. A gente fica muito grato com o Barroso com essa decisão que vem abranger os índios fora da aldeia e é um reforço a mais pros indígenas, quilombolas, ribeirinhos, comunidades tradicionais para que a gente possa buscar uma saúde digna pra todos esses povos”, afirmou.

Durante a pandemia, as aldeias Tabajaras também estão fechadas para evitar a propagação do vírus entre os índios.

O Observatório Antropológico do Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) tem acompanhado a situação do coronavírus nas aldeias paraibanas.

Os dados informados pelo Observatório Antropológico do PPGA são coletados juntos aos boletins informados pelas prefeituras de Marcação, Rio Tinto e Baía da Traição, também do boletim do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei), além de informações repassadas por lideranças indígenas.

Além das tribos paraibanas Tabajaras e Potiguaras, há também números referentes aos Warao em João Pessoa. Os Warao são índios vindos da Venezuela para a Paraíba.

Conforme o último balanço divulgado em 6 de julho, há 275 casos confirmados em 25 aldeias Potiguara, sendo 153 indígenas. Há também 25 casos confirmados de Potiguara nas áreas urbanas circundadas pelas aldeias, o que faz um total de 178 indígenas confirmados, dois óbitos pela doença e 50 casos recuperados.

Entre os Tabajaras há 4 casos confirmados em famílias residentes fora das aldeias, sendo três em João Pessoa e um no Conde. Dois casos suspeitos em Bayeux e outros dois no Conde, aguardando testagem. Há também um caso descartado em João Pessoa, porém continua com sintomas.

Em João Pessoa é de 68 o número de Warao que tiveram confirmação clínica e encontram-se recuperados. Em Campina Grande, onde há 57 índios da tribo, há um caso confirmado.

De acordo com Rita Santos, antropóloga integrante do Observatório, os vetos presidenciais é um ataque aos direitos indígenas e faz parte de um somatório de atos de não reconhecimento da população.

“Se soma ao descaso, ao incentivo da ocupação das terras indígenas, da não demarcação dos territórios e agora, nessa situação crítica que foi elaborado um projeto de lei de acordo com o movimento indígena, alinhado com ele, ele veta novamente de forma a restringir o acesso aos direitos dessa população” considerou a pesquisadora.

Para a antropóloga, alguns vetos têm impacto negativo especial no estado.

“A questão da distribuição da água potável, material de higiene e desinfecção das comunidades foram barradas na sanção presidencial e poderia vir atender aqui.

A gente tem mapeado pelo Observatório, uma demanda por materiais de higiene, por materiais de limpeza, por parte dessa população”.

Outros veto que afeta a população indígena é a tradução de materiais informativos, já muitos índios Warao não compreendem português e alguns ainda falam espanhol, mas possuem idioma próprio, também chamado de Warao, de acordo com Rita.

O projeto

A lei 14.021 cria um Plano Emergencial para Enfrentamento à Covid-19 aos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e demais povos tradicionais no Brasil.

O projeto de lei determinou que os povos tradicionais fossem considerados um "grupo em situação de extrema vulnerabilidade" e, por isso, de alto risco para emergências de saúde pública.

A proposta foi aprovada em 21 de maio pela Câmara dos Deputados. O plano prevê:

acesso à água potável
distribuição gratuita de materiais de higiene, limpeza e desinfecção para comunidades indígenas
garantia de equipes multiprofissionais de saúde indígena, que possam fazer quarentena antes de entrarem no território e tenham acesso a equipamentos de proteção individual (EPIs);
acesso a testes de identificação do vírus (rápidos e RT-PCRs), medicamentos e equipamentos médicos adequados para o combate ao Covid-19;
estrutura para o atendimento aos povos, como, por exemplo: oferta emergencial de leitos e ventiladores; acesso a ambulâncias para transporte fluvial, terrestre ou aéreo; construção emergencial de hospitais de campanha em municípios próximos a aldeias com maiores casos de contaminação pelo coronavírus;
distribuição de materiais informativos sobre sintomas da Covid-19;
pontos de internet nas aldeias para viabilizar acesso à informação;
garantia de financiamento e construção de casas de campanha para o isolamento de indígenas nas comunidades

O plano determina, ainda, que nenhum atendimento da rede pública seja negado por falta de documentação ou outros motivos. Além de tratar, especificamente, povos indígenas isolados ou de recente contato "somente em caso de risco iminente e em caráter excepcional" será permitida a aproximação a estes grupos para prevenção e combate à pandemia.

O projeto foi aprovado pelo Senado Federal em 16 de junho e aprovado, com vetos, por Jair Bolsonaro na quarta-feira (8).

O veto

Dentre os trechos vetados, estão os que preveem:

que o governo seja obrigado a fornecer aos povos indígenas “acesso a água potável” e “distribuição gratuita de materiais de higiene, limpeza e de desinfecção para as aldeias”;
que o governo execute ações para garantir aos povos indígenas e quilombolas “a oferta emergencial de leitos hospitalares e de terapia intensiva” e que a União seja obrigada a comprar “ventiladores e máquinas de oxigenação sanguínea”;
obrigatoriedade de liberação pela União de verba emergencial para a saúde indígena;
instalação de internet nas aldeias e distribuição de cestas básicas;
que o governo seja obrigado a facilitar aos indígenas e quilombolas o acesso ao auxílio emergencial.
Para justificar os vetos, o Executivo argumentou que o texto criava despesa obrigatória sem demonstrar o “respectivo impacto orçamentário e financeiro, o que seria inconstitucional”.

O Supremo Tribunal Federal

Ainda na quarta-feira (8), o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a adoção pelo governo federal de cinco medidas para proteger as comunidades indígenas e evitar a mortalidade pela Covid-19.

As medidas fixadas pelo ministro são:

instalar uma Sala de Situação para a gestão de ações de combate à pandemia quanto a povos indígenas em isolamento ou contato recente. Esta espécie de gabinete de crise deve contar com a participação de comunidades indígenas, Procuradoria Geral da República (PGR) e Defensoria Pública da União (DPU). Os membros deverão ser escolhidos no prazo de 72 horas a partir da ciência da decisão, e a primeira reunião virtual deve ocorrer em até 72 horas depois da indicação dos representantes;
no prazo de 10 dias contados a partir da notificação sobre a decisão, o governo deve ouvir a Sala de Situação para elaborar um plano com criação de barreiras sanitárias em terras indígenas;
em 30 dias a partir da notificação sobre a decisão, o governo deve elaborar um Plano de Enfrentamento da Covid-19 para os Povos Indígenas Brasileiros. O plano deve ser feito com a participação das comunidades indígenas e do Conselho Nacional de Direitos Humanos. Os representantes das comunidades devem ser definidos em 72 horas a partir da ciência da decisão;
estabelecer, no âmbito do Plano de Enfrentamento, medidas de contenção e isolamento de invasores em relação a terras indígenas;
garantir que indígenas em aldeias tenham acesso ao Subsistema Indígena de Saúde, independente da homologação das terras ou reservas indígenas; já os indígenas que não são aldeados também devem acessar o subsistema caso não haja oferta no SUS geral.
Os prazos são contados em dias corridos. O ministro concedeu uma liminar (decisão individual) em uma ação apresentada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e por seis partidos: PSB, PSOL, PC do B, Rede, PT, PDT.

Barroso também classificou o Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo Novo Coronavírus em Povos Indígenas como "vago" e "meras orientações gerais". A formulação das diretrizes não teve participação de comunidades indígenas, o que é indispensável.



Fonte: Espaço PB com Luana Almeida/G1PB – Redação: contato@espacopb.com.br

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