Legendas menos tradicionais valorizam mais os estatutos partidários

Publicado em: 26/07/2020 às 08:35
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A lei dos partidos políticos (Lei 9.096, de 19 de setembro de 1995) em vigor no Brasil estabelece que um partido, após adquirir personalidade jurídica na forma da lei civil, deve registrar seu estatuto no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O documento, que nem sempre recebe importância de filiados, deve conter os princípios basilares da legenda e indica o perfil de seus possíveis candidatos nas eleições.

A legislação prevê que as legendas são livres para fixar, em seus programas, seus objetivos políticos e para estabelecer, em seu estatuto, a sua estrutura interna, organização e funcionamento. Entretanto, destaca algumas regras gerais que os estatutos precisam conter, como os direitos e deveres dos filiados.

A norma prevê o modo como o partido se organiza, define sua estrutura geral e administra os órgãos partidários nos níveis municipal, estadual e nacional, além da duração dos mandatos e o processo de eleição dos seus membros. A fidelidade e disciplina partidárias, processo para apuração das infrações e aplicação das penalidades (assegurado amplo direito de defesa) são outros pontos fundamentais.

Também devem ser claras as condições e forma de escolha de candidatos a cargos e funções eletivas. No PSoL, por exemplo, eles precisam estar vinculados à bandeira prioritária da sigla, que é a representatividade da classe trabalhadora. “Nosso estatuto tem algo que considero fundamental é não ser uma peça meramente jurídica”, avalia o presidente do partido na Paraíba, Tárcio Teixeira (na foto).

O dirigente explica que, logo nos primeiros artigos, o estatuto traz aspectos importantes do programa partidário, dos princípios e do caráter de classe do PSoL. “Não somos um partido para todos e todas, somos um partido para os trabalhadores e trabalhadoras. Queremos uma sociedade que não tenha a exploração de classe que é defendida no modo de produção capitalista”, define.

Para Tárcio, um dos aspectos mais relevantes do estatuto do partido é se “desprender dos elementos da burocracia da legislação eleitoral”. Ele cita como modelo o processo de filiação, no qual quem não tem título ou ainda é menor de 16 anos pode participar das decisões. “O terceiro elemento que quero destacar no nosso estatuto é a forma como ele, diferente dos partidos das elites, tem um processo de construção coletiva que vem de baixo para cima”. No PSoL ninguém pode ser expulso pela direção do partido, apenas por decisão em congresso partidário com a presença dos delegados e delegadas escolhidos entre os filiados de cada cidade.

A lei dos partidos políticos assegura que só o partido que tenha registrado seu estatuto no TSE pode participar do processo eleitoral, receber recursos do fundo partidário e ter acesso gratuito ao rádio e à televisão. Outra regra prevê que só é admitido o registro do estatuto de partido político que tenha caráter nacional, ou seja, que comprove o apoiamento de eleitores não filiados a partido político, correspondente a, pelo menos, 0,5% dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados.

Partidos buscam inovar

Um dos partidos que surgiu destacando para a sociedade os ideais presentes em seu estatuto foi o Novo. Entre as bandeiras defendidas, uma gestão partidária independente, que não pode ser feita por candidatos ou ocupantes de cargos públicos. Além disso, é vedado ao filiado eleito para cargo no Poder Legislativo a candidatura a mais de uma reeleição consecutiva.

“O Novo foi fundado por 181 cidadãos de 35 profissões diferentes que nunca tiveram um cargo eletivo e que estavam insatisfeitos com o alto montante de impostos pagos e com a baixa qualidade dos serviços públicos recebidos. Eles analisaram diversas opções de atuação e concluíram que um partido político seria a ferramenta democrática mais adequada para realizar as mudanças necessárias”, explica Marília Dantas, que foi candidata pelo partido ao cargo de deputada federal pela Paraíba, nas eleições de 2018.

Segundo Marília, os princípios do Novo são claros e focam na defesa da maior autonomia e liberdade do indivíduo, na redução do estado e de suas áreas de atuação, na diminuição da carga tributária e na melhoria na qualidade dos serviços essenciais, como saúde, segurança e educação. “O Novo tem muitos diferenciais. Todos os filiados precisam ser ficha limpa; é o único partido que não usa recurso público, sendo mantido por filiados e doadores; e os eleitos cortam os próprios privilégios e custos do gabinete”, cita.

No Novo, os candidatos assinam um acordo com o partido contendo seus compromissos de campanha e, se forem eleitos e não cumprirem, podem até perder o mandato. Eles também passam por processo seletivo, assim como ocorreu este ano na Rede Sustentabilidade com vistas às eleições municipais. Durante quatro meses o partido recebeu mais de 50 inscrições de pessoas interessadas em concorrer ao cargo de prefeito.

De acordo com o porta-voz da Rede, Gerson Vasconcelos, o partido acredita em renovação das lideranças políticas. Ele destaca que a legenda defende o fim do carreirismo dentro da política, ou seja, que possa haver renovação de disputas eleitorais em diferentes cargos, mas não várias reeleições, assim como no Novo. “Sabemos que tem muita coisa atualizada em nosso estatuto. Vejo que colocamos em prática o que instituímos no passado”, sustenta.

Filiados destacam regras

Do mesmo modo que Marília Dantas pelo Novo, Gerson Vasconcelos integra o movimento que deu origem à Rede Sustentabilidade desde o início das articulações, em meados de 2011, com o processo de coleta de assinaturas para viabilizar a criação do partido quando ainda não havia estatuto. “Nós já temos essa prática de encontros virtuais desde essa época, antes da pandemia, e daí inclusive veio a ideia de usar a ‘rede’ no nome do partido”, lembra.

Entre os pontos previstos no estatuto, a Rede não tem presidente e sim porta-voz feminino e masculino. O partido também já adotava o percentual de 30% nas cotas para mulheres antes da legislação geral e dá preferência a perfis jovens. Além disso, os diretórios estaduais e municipais são chamados de “elos” e as convenções que receberam o nome de conferências, nas quais há renovação das lideranças partidárias e a participação dos filiados.

“Dentro do estatuto já prevemos que a garantia do filiado em uma plataforma online, ele tem direito a vez e voz. Nós cumprimos o estatuto e cobramos isso dos nossos filiados também”, garante Gerson. Ele reconhece, no entanto, que não é fácil para todos seguirem as orientações e cita que, dos cinco senadores eleitos em 2018, só três permanecem na Rede. “Os parlamentares que estão no partido representam bem a legenda. Nossa bancada não é a maior, mas queremos fazer um mandato de excelência”, garante.

O troca-troca de partidos é uma realidade comum na política e, sobre isso, Marília Dantas acrescenta que o Novo é a favor da candidatura avulsa – na qual o candidato não precisa de partido para disputar um cargo – e lamenta que, no Brasil, hoje essa possibilidade não exista. “Na minha visão pessoal, essas mudanças de partido por parte de alguns políticos, na maioria das vezes, acontecem porque os políticos eleitos ocupam os partidos com base nos acessos aos recursos públicos que aquele partido possui, em acordos relacionados a troca de cargos e apoio político, na quantidade de votos que eles acreditam que cada grupo em cada partido vai conseguir ou na agenda eleitoral de cada um”, avalia.

Marília pondera, contudo, que não se deve julgar “todos que decidiram se candidatar e precisaram escolher um partido”. “O ideal é entendermos as razões genuínas por traz da mudança partidária. Pois o cidadão pode se filiar a um partido porque está alinhado com o defendido por aquele partido, pode se filiar porque precisa de uma legenda para concorrer, mas pode também se filiar por uma razão não republicana”, avalia.

Questionada sobre o isolamento do partido, a administradora destaca o artigo 2° do estatuto que autoriza a coligação partidária mesmo que o partido prefira não coligar. “O ponto é que o Novo não viola os seus princípios, daí só faria sentido coligar com outro partido que tenha os mesmos princípios e valores. Como um partido assim não existe ainda, é falado que não coliga com ninguém”, justifica. Para garantir o cumprimento das regras, no Novo existe um Conselho de Ética que pode ser acionado em caso de denúncias contra filiados contribuintes e filiados gestores.



Fonte: Espaço PB com jornal A União (Thaís Cirino) – Foto: G1 – contato@espacopb.com.br

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