Gleisi Hoffmann: ‘Fundo do poço para o PT foi em 2016’

Publicado em: 01/12/2020 às 14:40
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Na eleição de 2020, o PT foi o partido que mais conquistou assentos nas Câmaras Municipais de cidades com mais de 500 mil habitantes, onde vive mais da metade da população. Já no total de municípios, ficou em sétimo lugar, com o MDB na liderança, mas na frente de outros partidos do seu campo, como PDT, PSB, PSOL e PCdoB, conforme mostrou em gráfico o cientista político Jairo Nicolau. 

Em número de prefeituras, caiu de 254 para 183, ficando dez posições atrás do primeiro colocado, novamente o MDB, que obteve 784. Diferente da performance no Legislativo em grandes centros urbanos, não obteve o comando de nenhuma capital. Fato inédito, amargo, mas que não representa a derrocada do partido se considerados os números de votos obtidos na eleição, como mostra o desempenho de vereadores eleitos, afinal, o melhor indicativo da força de um partido é o voto para a Câmara Municipal, como entende Nicolau. 

Em entrevista ao BRP na noite de segunda, 30, sob a ressaca dos resultados, a presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), lamentou a derrota em Recife, afirmou que ainda não foi feito um balanço geral da eleição dentro do partido, falou de eventuais parceiros para 2022, ano este que será “estratégico” para o PT, elogiou o crescimento político de Guilherme Boulos (PSOL) e avaliou que na eleição deste ano o partido começou a “estancar a sangria”, uma vez que o fundo do poço fora já atingido em 2016. 

 

BRP – Para onde se deslocou o voto do PT nesta eleição? 

Gleisi Hoffmann – Acho que ninguém tirou voto do PT porque não perdemos votos nesta eleição. Se compararmos com 2016, ficamos no mesmo patamar de votação. Nós perdemos algumas prefeituras e alguns vereadores, mas em termos de voto, nós ganhamos, porque houve um deslocamento das candidaturas e dos eleitos para centros maiores. Nós fomos o partido que mais fez vereadores nos municípios maiores de 500 mil habitantes. E também fomos o que mais levou candidatura para o segundo turno. Isso fez parte de uma tática eleitoral nossa, de priorizar grandes centros, reposicionar o partido, voltar para as regiões metropolitanas, principalmente na área do Sudeste. Então eu acho que isso nós conseguimos fazer. 

Mas, infelizmente, nas demais prefeituras menores, em cidades médias e menores, não conseguimos manter o número de prefeituras. Não teve uma migração de votos. Se compararmos com 2016, nós não perdemos votos, isso é um fato. Acho que (o deslocamento) não foi para a esquerda porque, com exceção de São Paulo com a campanha do Guilherme Boulos, tanto o PDT, o PSB e o PCdoB perderam votos. Acredito que a migração principal foi para esses partidos do centrão, não para a direita liberal, me refiro ao centrão mesmo, esses partidos mais, digamos, pragmáticos e não programáticos da política por envolver uma questão local, por ter força municipal com deputados. 

BRP – O que te chamou atenção nesta eleição? 

Em primeiro lugar, a campanha sistemática de desconstrução do partido que fizeram no segundo turno. É impressionante porque em muitas cidades e municípios, onde ou estávamos na frente ou empatados nas pesquisas, vimos que nos últimos dias teve uma ação bem orquestrada, bem dirigida para bater nessa questão do PT, da corrupção, de voltar a esse discurso, a questão dos valores, com voto mais evangélico e conservador, tudo por meio de fake news. É muito impressionante a força com que isso atuou no finalzinho das eleições para impedir que as nossas candidaturas tivessem sucesso. E a reversão dos resultados que considerávamos maiores, porque acompanhávamos a evolução, que acabou não acontecendo. 

Foi uma eleição em que os recursos públicos contaram muito porque teve muita liberação de recurso público. Para você ter uma ideia, agora com a pandemia, teve de repasse extraordinário da União para municípios R$ 56 bilhões, dos quais R$ 46,5 bilhões foram gastos de junho a setembro. E não tinha amarra para gastar, tanto que o nível de reeleição foi muito alto nesta eleição, de 63%, contra 45% em 2016. Então, esses partidos que estavam mais bem posicionados, da base de apoio, aliados do Bolsonaro, aproveitaram muito isso. 

Constatamos que agora teremos de ver o que aconteceu nessa questão dos pequenos municípios, que eu acho que passa muito pela organização local do partido. Nós estamos discutindo isso. 

Pensando adiante, quais partidos o PT mais considera agora para futuras coligações com vistas a 2022, considerando que PSB e PDT parecem não querer conversa com o PT no momento? 

A prioridade, claro, são os partidos da esquerda da oposição. Óbvio que essa situação do PDT e PSB, que tentam ajustar aí uma coligação entre eles, eu acho mais difícil, mas não impede conversas porque até 2022 muita água vai rolar por debaixo da ponte. O PSOL e PCdoB são partidos que nós temos como prioritários para conversar. É claro que temos que ver também como desenvolve a situação até lá, do governo, a questão econômica que vai pesar muito, como que as forças vão se colocar, como o centrão vai agir em relação ao governo Bolsonaro, especialmente alguns partidos de centro com quem já tivemos conversação. 

Eu acho que com o MDB é mais difícil porque eles estão tomando uma postura mais liberal, e para nós essa questão da economia, da agenda econômica, é muito importante, porque nosso público são os trabalhadores. 

Com relação ao PSD, não acredito que tenha uma aproximação tão pronta assim, a menos que dê muita água no governo Bolsonaro, os partidos não queiram ir com a direita liberal, façam uma outra opção, mas eu acho que é mais difícil. Acredito que nós vamos ter de fazer um caminho mais com os partidos de esquerda mesmo neste momento. 

A senhora ficou abatida com a derrota em Recife? 

Abatida, não diria. Eu fiquei triste porque o que levou aquele resultado foi um método muito ruim de campanha, utilizado por um partido que a gente tem como um partido, que se não é de esquerda é centro-esquerda, enfim, que tem princípios, que se não nacionalmente, pelo menos lá no Nordeste se posiciona mais desse lado. Utilizaram uma campanha contra a Marília Arraes que é os mesmo método da direita e da extrema direita, de desconstrução, de fake news, de pegar questões de valores, mentindo sobre isso, atacando o PT, a questão da corrupção. Isso me entristeceu muito porque nós já fomos aliados lá, apoiando o PSB. Tudo o que nós queríamos era ter direito a uma candidatura e a Marília mostrou vigor na candidatura, ela lutou sozinha lá. É uma grande liderança que, inclusive, se desponta no cenário nacional, com possibilidade mais tarde de crescer muito. 

Dá para curar essa ferida? 

Olha, se for falar de imediato, a gente diz não. Mas acho que temos que ponderar tudo que aconteceu, fazer um balanço, saber como o PSB vai se comportar daqui para frente no plano nacional. Se seguir esse caminho do PDT, de aliança com o DEM, fica muito difícil. 

Já fizeram uma DR dentro do partido? 

Nós tivemos uma conversa pela manhã (segunda, 30) com o presidente Lula, com nossos governadores,  alguns dirigentes, alguns líderes e nós vamos ter uma reunião do Diretório Nacional do PT na próxima segunda-feira (7) para fazer um balanço eleitoral, dos nossos números, os problemas que detectamos. Nós tivemos um cenário muito difícil de disputa. Primeiro essa questão da reconstrução do partido. Você não faz recuperação de salto, nós levamos um tombo muito grande político. Desde 2013, com aquelas manifestações, a gente tem tido derrotas políticas consecutivas. 

Ali eclodiu o ovo. 

Foi, sim, o momento em que isso começou a ser orquestrado, não que as manifestações iniciais que tínhamos fossem para isso. Mas depois elas foram capturadas por esse sentimento da direita, da população de incômodo e canalizaram contra o PT. Acho que isso foi feito com maestria por eles. Mais o golpe da Dilma, a prisão do Lula, Lava Jato. Eu diria até que nesta eleição (2020) nós estancamos a sangria porque a gente vinha decaindo. Acho que paramos, deixamos de cair, reorganizamos um pouco a nossa tropa, a nossa estratégia e tática em relação à reocupação de espaço, fomos para o enfrentamento e temos que continuar isso. 

O fundo do poço então foi 2016? 

Acredito que o fundo do poço de eleição foi mesmo em 2016 e depois toda a desconstrução feita em 2018 com a ascensão da extrema-direita, mesmo a gente indo para o segundo turno, tendo eleito a maior bancada, já foi uma bancada menor que a anterior. O fato de nós termos mantido nossa votação nesta eleição (2020) e termos nos reposicionado um pouco para esses grandes centros mostram que temos condições de enfrentar essa situação. Agora, claro, precisamos fazer um balanço interno, arrumar melhor nossa organização, continuar avançando na questão de comunicação… Tem vários desafios para o PT, mas eu diria que é uma retomada. 

Como vê essa questão geracional em relação aos votos recebidos por Boulos? 

Primeiro quero saudar a campanha do Boulos em São Paulo. Nós fizemos parte dela. Acho muito importante para a esquerda termos lideranças em ascensão, como é o Boulos, ter partidos de esquerda fortalecidos. O PT, claro, tem uma grande importância, tem mais capilaridade nacional, não deixa de ser importante pelo resultado dessas eleições, vai continuar na luta, vai continuar se reconstruindo. Então eu acho saudável para a esquerda isso. É ruim olhar para os parceiros de esquerda e ver que todos diminuíram. Eu gostaria de ter um outro quadro, que todos pudessem ter avançado pelo menos, não diminuído. 

A gente saúda, temos o maior respeito pelo Boulos, é uma pessoa que a gente considera muito. Óbvio que o PT tem o desafio geracional, é um partido mais velho que o PSOL, que é um derivado do PT que se construiu. E nós temos o desafio com a juventude. 

Nós apostamos muito em candidaturas jovens, de mulheres. Em Curitiba, que é uma capital difícil, nós lançamos candidatura lá que não era para ganhar, era para fazer o enfrentamento, mas tivemos um bom resultado por exemplo na Câmara Municipal. Nós tínhamos uma vereadora e elegemos três. Dois negros, jovens. Isso foi muito importante porque você faz uma renovação geracional e também comportamental. Temos investido nisso. Mas volto a dizer, isso é um processo, não é uma coisa que você estala o dedo e acontece. Tem que investir e vamos continuar investindo. 

Acha que o próximo momento do PT é 2022 ou 2026? 

2022 para nós é muito importante porque o PT é um partido de projeto nacional, não local. Estamos muito focados em 2022 e organizando o partido para isso, e conversando com a esquerda para que a gente possa ter robustez para enfrentar essa situação toda. 2022 para nós é um momento estratégico. Mas claro também que 2026 entra no radar. 

Boulos entra nessa conversa? 

Boulos é uma liderança que se coloca num patamar nacional. Óbvio que o PSOL também está pensando em 2022, mas é muito cedo para falar de nomes. Acho que a gente tem abertura para fazer a construção de um caminho para a unidade da esquerda, que seja um projeto para o país, e depois a gente discute. O PT tem nomes, tem o Lula, que é nossa grande liderança, mas obviamente que nós queremos fazer a discussão de um projeto nacional, e vamos procurar e tentar fazer isso em conjunto. 

 



Fonte: EspaçoPB com UOL - contato@espacopb.com.br

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