Brasil chega a 200 mil mortes por covid-19 sem vacina e sob risco de repetir piores momentos da pandemia

Publicado em: 08/01/2021 às 04:45
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Em um momento crítico da pandemia e ainda sem vacinação, o Brasil passou a marca de 200 mil mortes por covid-19 nesta quinta-feira (7), segundo levantamento do consórcio de veículos de imprensa feito a partir de dados das secretarias estaduais da Saúde e divulgado em um boletim extra. O total de óbitos registrados é de 200.011, com 7.921.803 casos confirmados.

A primeira morte pela doença no país aconteceu em fevereiro do ano passado. Nos meses seguintes, o número de óbitos subiu gradativamente, até que em junho foi atingido um estágio de platô com cerca de mil mortes diárias

Em 8 de agosto, 100 mil vidas haviam sido perdidas na pandemia. Mas em meados daquele mês, começou a ser observada uma tendência de queda nos números da tragédia. Cidades e estados flexibilizaram restrições à circulação, e muitos hospitais de campanha foram desmontados.

Em novembro, as mortes voltaram a aumentar – e, no início deste ano, o Amazonas voltou a reviver momentos difíceis da pandemia, com hospitais e cemitérios lotados. Nos últimos dias, Manaus atingiu recorde de novas internações, que superaram números registrados em abril e maio, quando houve colapsos nos sistemas público de saúde e no funerário.

Na quarta-feira (6), Manaus registrou 110 enterros nos cemitérios, número que se aproxima do recorde registrado em 26 de abril do ano passado, quando houve 140 sepultamentos. Em Belém, também há temor de novo caos na saúde: quase 100% dos leitos de UTI já estão ocupados. Na Grande São Paulo e no Rio de Janeiro, prefeituras fazem contratações emergenciais de leitos de UTI em hospitais particulares.

A pandemia devastou famílias como a do médico Aristides Camargo, de 79 anos, e da ex-professora Maria Inês Santos Camargo, de 67. O casal de Sorocaba (SP) morreu com três dias de diferença depois de sentir, às vésperas do Natal, os primeiros sintomas de covid-19. “A pandemia foi a época em que eles viveram mais juntos, muito juntos, um para o outro. Ele sempre trabalhou muito, e ela chegou a comentar comigo que estava curtindo muito ficar com ele direto”, disse Ana Laura Camargo Marques, filha do casal.

À espera da vacinação

Mais de 40 países já começaram a aplicar vacinas contra a covid-19. O Reino Unido foi o primeiro a usar a vacina da Pfizer/BioNTech, seguido de Estados Unidos, Canadá, Arábia Saudita e Israel, além dos 27 países da União Europeia. Os EUA também começaram a aplicar a vacina da Moderna. Outros países deram início a campanhas com a Sputnik V e as vacinas da Sinovac e da Sinopharm. Em todo o mundo, mais de 15 milhões de doses já foram aplicadas. Entre os países com maior percentual da população vacinada, estão Israel, com 15%, e Emirados Árabes Unidos, com quase 8%.

No Brasil, o Instituto Butantan pediu à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorização para uso emergencial da CoronaVac, a vacina produzida em parceria com o laboratório Sinovac. Mesmo sem ter recebido o aval, o governo de São Paulo prometeu começar a imunização a partir de 25 de janeiro. A taxa de eficácia da vacina foi divulgada nesta quinta: 78%, sendo 100% para casos moderados e graves.

O Ministério da Saúde anunciou nessa quinta-feira contrato para compra de 100 milhões de doses de vacina do Instituto Butantan. Toda a produção do instituto será incorporada ao Plano Nacional de Imunização, para distribuição em todo o país. Apesar da pressão de prefeitos e governadores, o Ministério da Saúde ainda não apresentou cronograma para vacinação no Brasil.

“Cobramos uma data e não nos foi fornecida. Quando chegam os insumos? Quando começa a vacinação? O secretário disse que iria levar nossa demanda ao ministro Pazuello”, disse governador do Piauí, Wellington Dias (PT), após reunião com o secretário de vigilância do Ministério da Saúde, Arnaldo Medeiros, na terça-feira (5).

Em janeiro, devem chegar ao Brasil dois milhões de doses da AstraZeneca/Oxford produzidas na Índia. Esse imunizante foi testado em voluntários brasileiros e deve ser produzido pela Fiocruz. A importação, por R$ 59,4 milhões, foi autorizada pela Anvisa, mas ainda não há liberação para uso pela população. Quando começar a imunização, os primeiros a tomar as doses devem ser os profissionais de saúde.

Na semana passada, fracassou uma licitação do Ministério da Saúde para compra de seringas e agulhas para vacinação. O pregão previa a aquisição de 331 milhões de seringas, mas as empresas que participaram garantiram entrega de apenas 7,9 milhões. Elas reclamaram que o edital encomendava seringas e agulhas como um só produto e que os preços estavam abaixo dos praticados.

Na quarta-feira, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) acusou fabricantes de terem aumentado os preços, motivo pelo qual o governo federal suspendeu a compra do material. O epidemiologista Paulo Lotufo, em entrevista à GloboNews na manhã do mesmo dia, reforçou que, se a compra tivesse sido feita com antecedência, o governo pagaria mais barato.

Nova variante do vírus

Em meio ao aumento de casos e mortes, nesta semana o Instituto Adolfo Lutz, referência em São Paulo, confirmou dois casos de uma nova variante do coronavírus no Brasil. Ela surgiu no Reino Unido, onde já representa mais de 50% dos novos casos diagnosticados, de acordo com a OMS. Por enquanto, não há comprovação de que o vírus esteja mais forte ou cause uma versão mais grave da covid-19. Mas um estudo médico divulgado no final de dezembro aponta que a nova versão é entre 50% a 74% mais contagiosa.

Segundo a OMS, ainda não há informação suficiente para determinar se a nova variante afetará a eficácia das vacinas – a entidade afirma que as pesquisas estão em andamento.

Famílias afetadas: “A gente não se conforma”

George Luís de Camargo, de 39 anos, uma das vítimas da covid-19, era casado e tinha dois filhos: um adolescente de 15 anos e uma bebê de quatro meses. Trabalhava como socorrista no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) de Sorocaba (SP). “Estamos totalmente despedaçados”, disse Kátia Camargo, irmã de George. Ela também perdeu a mãe para a mesma doença.

A mãe, Dosília Rosa de Camargo, havia morrido no início de dezembro. “Logo depois que minha mãe falecer, meus irmãos começaram a ter sintomas. O André foi entubado no Hospital Samaritano no dia 19 de dezembro. O George foi internado no Hospital Evangélico, mas não resistiu”, conta Kátia. André recebeu alta no mesmo dia em que o irmão morreu.

Ex-policial, pai de quatro filhos e avô de quatro netos, José Barros tinha 70 anos quando morreu de covid-19 na madrugada do dia 2 de janeiro, em Macapá. Presidente do Ypiranga Clube, seu time do coração e atual campeão amapaense de futebol, José vivia a expectativa de ver a equipe disputar a Copa do Brasil depois de dois anos.

“Dos meus 39 anos, vivi todos colados no meu pai. Para onde ele ia, tudo a gente ia fazer juntos. Éramos unha e carne. Falo sobre ele naturalmente, porque a ficha ainda não caiu. Acho que ele ainda está no hospital, internado e que ele vai aparecer em casa”, contou o filho dele, Júnior Barros.

A última lembrança ao lado do pai ficou eternizada numa foto marcante, mas dolorida para Júnior. Na imagem, registrada antes do enterro, o filho aparece ao lado do caixão e vestindo uma camisa do Ypiranga com o nome de Barros às costas.

Com 200 mil óbitos e casos frequentes de aglomerações, quem perdeu parentes para a covid-19 se choca com imagens de festas e desrespeito às regras, como uso de máscaras. “É irresponsabilidade, atitude desumana. É egoísmo dessas pessoas que só estão pensando em si”, diz Francisco Ducivaldo Azevedo. Em 17 de junho, ele perdeu a mãe, Dulçanira Azevedo, de 69 anos. “Entendo que as pessoas precisam desopilar na pandemia, mas o momento requer paciência e prudência”, afirma ele.

A cantora e viúva do compositor Evaldo Gouveia, Liduína Lessa, também percebe os flagrantes de aglomeração como um desrespeito às vidas tomadas pela doença. Seu marido, referência da música popular brasileira, morreu com a covid-19, aos 91 anos, em 29 de maio, em Fortaleza.

“É muita irresponsabilidade. Acho muita falta de consciência do povo que se aglomera. É uma tristeza muito grande ver que meu esposo teve esse problema, porque muita gente pensa que é brincadeira, não se cuida”. Evaldo Gouveia se despediu deixando a mulher e dois filhos, Márcio e Marcelo. “O Brasil teve uma perda muito grande na cultura, até hoje a gente não se conforma, não”, diz a viúva.



Fonte: Espaço PB com G1 – Fotos: Edmar Barros e Bruno Kelly – contato@espacopb.com.br

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