Artigo: Sussumo, o lobisomem – Jorge Rezende

Publicado em: 01/02/2025 às 16:15
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Hoje com quase 80 mil habitantes, minha cidade natal, no sul de Minas Gerais, já teve outros nomes. O primeiro deles era apenas Rio Verde, quando das primeiras notícias sobre essa terra, lá pelos idos de 1737. Depois a denominação ficou Porto Real Passagem do Rio Verde. Mais tarde, Aplicação do Rio Verde, vindo depois a ser designada Três Corações do Rio Verde. Em 7 de setembro de 1923, minha cidade passou, em definitivo, a denominar-se apenas Três Corações.

No início do século XVIII, Três Corações atraía forasteiros devido à abundância das lavras de ouro. Depois se transformou num dos principais centros de criação e comercialização de cabeças de gado. A região também prosperou com a proliferação dos cafezais. Todavia, o “grande passo para o pleno desenvolvimento do município” seria dado no ano de 1884, quando a ainda vila recebeu a visita do imperador dom Pedro II com a família imperial, para a inauguração da estrada de ferro Minas & Rio. Isso foi em 22 de junho de 1884. Três meses depois, em 23 de setembro, a vila foi emancipada e elevada à categoria de cidade.

Já no século XX, os setores de comércio e serviços da cidade começaram a prosperar e a ter importância econômica com a chegada de centenas de imigrantes, principalmente sírios, libaneses, palestinos e judeus (todos chamados por nós tricordianos, sem distinção e de forma pejorativa, de turcos). No período da Segunda Guerra Mundial, a região também recebeu outros segmentos de imigrantes, em pequeno porte, como italianos e japoneses.

E foi justamente fugindo da guerra que seu Yamaguchi desembarcou no Brasil e foi fincar existência em Três Corações, bem ali no sopé da Serra da Mantiqueira, onde casou-se com uma japonesa também fugida da guerra – que não me lembro do seu nome oriental, mas no bairro em que eu morava a chamávamos de dona Catarina... E não me perguntem o porquê desse nome. O casal, que arrastava um pouco do português, trocando o “L” pelo “R”, lembrando o personagem Cebolinha de Maurício de Sousa, teve sete filhos. Todos homens e nascidos em Três Corações. Curiosidade: quando seu Yamaguchi e dona Catarina discutiam entre si na nossa frente, eles “brigavam” em japonês, para que não entendêssemos nada.

Eu e meu irmão Marcos Rezende, o Totonho, frequentávamos a casa desses japoneses. Totonho era amigo de Kichik, o sexto filho da família; e eu, por tabela, fiquei amigo de Sussumo, o caçula e que tinha quase a mesma idade que a minha. Dos outros cinco irmãos, não me lembro do nome de dois (nem dos apelidos, se é que tinham). Outros dois se chamavam Akira e Toshi. O engraçado é que o mais velho era chamado de Baiano e nunca tive a curiosidade de saber do seu nome japonês. E cá entre nós: ele era menos amarelo que os irmãos e tinha uma pele e um rosto que lembravam em muito os mulatos dos romances de Jorge Amado.

Akira teve um fim trágico. Morreu em um acidente de carro (um Chevette que ele dirigia) quando retornava da sua formatura de aspirante na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), na cidade de Resende, interior do Rio de Janeiro. Sussumo, que adulto virou oficial da Polícia Militar de Minas Gerais, era ao mesmo tempo meu amigo e “rival”: eu e ele disputávamos as atenções e o amor de Ângela, uma pré-adolescente que também era da nossa faixa etária. Nos demos mal. Brigamos à toa. Ângela nunca quis nada comigo e nem com Sussumo.

Éramos amigos. Porém havia uma coisa em Sussumo que me preocupava e até causava medo. E não era pelo fato de sermos “rivais” na disputa pela donzela Ângela. Era por ele ser o caçula de uma família de sete irmãos homens. E havia uma lenda na minha cidade que dizia que o sétimo filho homem de uma família se transforma em lobisomem. Isso me incomodava e confesso que evitava ficar sozinho com Sussumo, principalmente nas noites de lua cheia. Se ele virava lobisomem mesmo, só se foi longe dos meus olhos. Mas que eu tinha medo, ah, eu tinha.



Fonte: Espaço PB com jornal A União (texto originalmente publicado na seção Memorial, da edição do dia 28 de janeiro de 2025) – Foto: Pixabay – Contato: jorgerezende.imprensa@gmail.com

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