Artigo: Solidão mata? – Jorge Rezende

Publicado em: 05/04/2025 às 23:20
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O segundo semestre do recente ano de 2023 foi marcado por inúmeras reportagens em revistas e jornais, em sites e registros radiofônicos e na televisão sobre os 90 anos de um dos mais importantes jornalistas, escritores e cronistas da Paraíba, que em junho deste ano de 2025 chegará aos seus 92 anos de vida, cheia de histórias e com mais de cinco mil crônicas escritas. Gonzaga Rodrigues é, sim, uma marca – ou marco – importante na comunicação paraibana.

E entre inúmeras entrevistas e depoimentos de Gonzaga – inclusive no filme ‘O Velho e o Rio’, documentário de Alberto Arcela que conta um pouco da sua vida –, uma palavra repetida pelo escritor, que permanece ainda bastante ativo nas suas colunas semanais do jornal A União, chamou-me a atenção: solidão.

Nessas entrevistas, Gonzaga Rodrigues, além de lembrar que teve uma infância solitária, externava um novo sentimento de solidão ao chegar aos 90 anos. Uma solidão da idade enraizada em seu espírito por alcançar as nove décadas de vida e ter vivenciado a perda dos amigos e familiares que passaram por sua jornada existencial. Os amigos vão morrendo, a sua geração vai deixando o plano terrestre e a pessoa vai se vendo sozinha, convivendo com outras realidades de relacionamento social e familiar. Você se sente fora das novas bolhas, pois a sua vai se esvaindo, se diluindo e ficando só a lembrança, a saudade e o vazio.

Isso mexeu bastante comigo. E de lá pra cá, mesmo ainda aos 58 anos de idade, tenho pensado constantemente nisso. O assunto me incomoda. É um tipo de solidão que parece ser inevitável. Fico às vezes a perguntar a mim mesmo – e sem me responder – onde estão aquelas pessoas que um dia compunham o meu universo cotidiano? Amigos de infância, de adolescência e da vida adulta que já morreram me fazem muita falta. Por que eles se foram – alguns bem cedo – e eu continuo aqui?

Esse sentimento de solidão da idade ganha mais peso ainda quando você já perdeu pai, mãe, avós, boa parte dos tios e tias, irmão, primos... Cadê o meu mundo? Eles estavam ali, ao meu redor, ou eu ao redor deles. Agora não existem mais fisicamente na mira dos meus olhos. Quanta falta eles fazem. Vão indo, um atrás do outro, e eu ficando. É muito ruim isso. E as impressões de Gonzaga Rodrigues ganham mais força desde que me impressionei com o seu depoimento relacionado à solidão da idade. Sei – e sabemos todos – que isso é mesmo inevitável. Alguém tem que morrer primeiro. Claro que ninguém quer morrer, mas ficar pra depois e assistir a partida de tanta gente querida é torturador... É machucar a alma e a mente constantemente.

E nessa última semana, num confortante encontro com os colegas jornalistas Ademilson José e Genésio de Sousa Neto, um dos temas conversado foi a solidão da idade. Só que numas variáveis daquela ressaltada por Gonzaga Rodrigues. Tratamos sobre a solidão que nos é imposta por outras pessoas ou circunstâncias, e aquela que muitas vezes infligimos a nós mesmos. São irmãs gêmeas da solidão da idade.

A que nos é imposta, inevitavelmente, acontece dentro de nossas casas, no ninho familiar. Os filhos e filhas crescem, ganham asas e, naturalmente, saem para novos voos. Vão pousar em outros mundos, em outras terras, construindo seus próprios lares. Nem sempre voltam. Na maioria das vezes, os pais ficam ali, “com olhar de paisagem”, remoendo as saudades, os tempos vividos, as lembranças da casa cheia e do tempo em que se tinha o controle total daquelas crianças.

A outra solidão é aquela que a gente cria e alimenta. Vamos perdendo a vontade de fazer coisas. Vamos evitando sair de casa. O lazer vai ficando pra depois. Os encontros com amigos e familiares tornam-se escassos. O distanciamento cresce. Convites são recusados. É uma solidão imposta por nós mesmos. Vamos matando as possibilidades de agirmos diferente. Nesse caso, a resposta da pergunta que está no título deste texto é esta: sim, a solidão mata. Pelo menos no que diz respeito à vontade de fazer coisas. Mas é bom lembrar o que os especialistas afirmam sobre solidão: ela pode ser tão prejudicial quanto o vício em álcool ou cigarros; a dita cuja pode aumentar o risco de morte, demência e doenças cardiovasculares.



Fonte: Espaço PB com jornal A União (texto originalmente publicado na seção Memorial, da edição do dia 1º de abril de 2025) – Foto: Pixabay – Contato: jorgerezende.imprensa@gmail.com

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