Artigo: Seu Chico virava porco – Jorge Rezende

Publicado em: 30/11/2024 às 21:35
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Um dos livros que marcaram a minha vida é ‘A Ilha do Doutor Moreau’, romance de ficção científica de H.G.Wells (Herbert George Wells, escritor britânico que morreu em 1946, aos 79 anos). O enredo da obra, lançada originalmente em 1896, se refere a um médico que cria criaturas monstruosas em uma ilha tropical. Moreau é um cientista obcecado pela ideia de transformar animais em homens por meio de cirurgias e hipnose.

Na história, a chamada vivissecção (técnica científica que consiste na dissecação de um animal vivo para estudar fenômenos fisiológicos) é o crime de que Moreau é acusado ao fazer suas experiências dolorosas em animais. Isso o leva a se refugiar na ilha onde desenvolve suas ideias. A obra, que discute religião, ética científica e evolução, depois foi transformada em filmes: um em 1977, com Burt Lancaster, e outro em 1996, com Marlon Brando.

Na televisão, segundo registros da Wikipédia – Enciclopédia Livre, houve uma paródia em ‘Os Simpsons’, em um episódio de Dia das Bruxas, intitulado ‘A Ilha do Doutor Hibbert’; e citações em vários capítulos da série canadense de ficção científica ‘Orphan Black’, produzida pela BBC. O tema central de ‘A Ilha do Doutor Moreau’ foi parar nos quadrinhos da Marvel Comics (1977), da Editora Abril (1991), da Editora Mithos (2003) e da Editora Norte Americana IDW (2019).

Curiosidades: a Marvel possui as personagens Alto Evolucionário, que realizou manipulações genéticas em animais para evoluírem aos moldes das criaturas do Doutor Moreau; e David Moreau, um genengenheiro que desenvolveu dispositivo para controle mental de mutantes, nas histórias dos ‘X-Men’.

Li a obra de H.G.Wells na minha pré-adolescência – hoje tenho certeza de que, proporcionalmente, época em que mais li livros na vida. “Devorava” de quatro a cinco por mês. Todavia, a minha experiência com histórias de homens-animais ocorreu ainda na infância. E até hoje, quando me deparo com Doutor Moreau, as lembranças sempre vêm relacionadas ao Seu Chico.

Seu Chico era um senhor de idade bastante avançada que residia nas redondezas da minha casa. A imagem dele me assustava. Andava sozinho, devagar e um pouco encurvado. Rosto totalmente enrugado, chapéu escuro, sobrancelhas espessas e “descabeladas”, fazendo telhado para um par de olhos negros e profundos. Porém, o que mais chamava a atenção era a barba permanentemente malfeita, circulando sua grande boca, que não retinha seus dentes. Dois caninos “vampirescos” sempre estavam à mostra.

Meu medo dessa figura aumentava mais ainda na época da Quaresma. Havia uma lenda no meu bairro que, no período dos quarenta dias dessa data do calendário católico que se inicia com o término do Carnaval, Seu Chico, ao anoitecer, transformava-se em um porco selvagem e saía a correr pelas ruas, atacando pessoas para comê-las vivas. Era um tormento pra mim. Acreditava nisso e nunca saía sozinho de casa à noite no período da Quaresma. Chico-porco foi meu avant-première para ‘A Ilha do Doutor Moreau’.



Fonte: Espaço PB com jornal A União (texto originalmente publicado na seção Memorial, da edição do dia 26 de novembro de 2024) – Foto: Pixabay – Contato: jorgerezende.imprensa@gmail.com

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