Artigo: Quem for morrer, avisa! – Jorge Rezende

Publicado em: 15/02/2025 às 09:20
Foto

Por volta da segunda metade da década de 1980, ocorreu uma sequência de mortes na minha família. Em pequenos intervalos de tempo, morreram tio Alfredinho, tio Wílson e vó Dica. O que não poderia ser diferente, foram momentos de consternação, melancolia e pesares. Apesar de minha família, por parte de mãe, ser bastante espiritualizada e extremamente bem-humorada – a maioria dos Rezende é espírita kardecista e encara a morte como parte integrante do ciclo da vida –, a dor e a saudade nos momentos de despedida de um ente querido também são chorosos.

Tio Alfredinho (que na verdade era meu tio-avô) já tinha uma idade avançada quando desencarnou. Já cego e com a saúde debilitada, ele era um dos irmãos mais velhos da minha avó, Josephina Fonseca Rezende, a vó Dica. Era bastante conhecido na minha cidade. Passou a vida como empreendedor e foi dono de um restaurante agregado a uma pensão-hotel, que ele comandou por vários anos ao lado de tia Teresa. Também se aventurou na política. Primo de Odilon Rezende de Andrade (prefeito por cinco vezes da minha cidade, Três Corações), tio Alfredinho chegou a disputar o cargo de vereador, não conseguindo êxito.

Dias depois da morte desse meu tio-avô, veio a morrer tio Wílson, o irmão mais velho de minha mãe, dona Elza Rezende. Tio Wílson estava internando há um bom tempo, acometido pelo enfisema pulmonar, causado pelos malefícios do cigarro. Era espírita de corpo e alma. Engraçado sem fazer força, havia se aposentado como carteiro, mas passou boa parte da vida como apontador do Jogo do Bicho, se escondendo da fiscalização e das batidas policiais, já que, até hoje, esse tipo de jogo de apostas é proibido em Minas Gerais.

Com a morte de tio Wilson, minha vó Dica ficou bastante abalada. Entrou numa tristeza e melancolia profundas. Com mais de 80 anos, vó Dica evitava passar por uma das esquinas da cidade onde tio Wílson costumava ficar recolhendo as apostas de jogo. Numa dessas desviadas, escorregou na calçada e quebrou uma das pernas. Engessada e sem poder sair de casa, a tristeza pela falta de tio Wílson só aumentou. Dias depois, vó Dica sofre um acidente vascular cerebral (AVC). Em pouco tempo, a então matriarca da família veio a dar seu último suspiro em sua trajetória terrena.

As três mortes em seguida proporcionaram, de certa forma, o reencontro de vários integrantes da família. Para os velórios e sepultamentos, muitos vieram de longe, de outras cidades e até de outros estados. Esse foi o caso da minha prima Leida Rezende. Ela esteve presente nos três enterros consecutivos, separados por poucas semanas. Morando em São Paulo e na época servidora da Eletropaulo (Eletricidade de São Paulo S.A.) – empresa pública de energia elétrica que atendeu a região metropolitana da capital paulista e que depois foi desmembrada e privatizada –, Leida pedia autorização do seu chefe imediato e viajava a Três Corações para acompanhar os velórios e enterros.

Na terceira cerimônia fúnebre, no momento do sepultamento de vó Dica, os lamentos e choros elevaram o tom, principalmente após a falas de alguns parentes e de religiosos (médiuns espíritas e de um padre – minha avó era uma católica contundente).

Quando ninguém tinha mais o que discursar em memória da falecida, cujo corpo já descia à sepultura, o silêncio foi interrompido com a intervenção da prima Leida: “Olhem, o meu chefe já não está mais acreditando em mim. Praticamente a cada semana tem uma morte na família e me afasto do trabalho para vir aqui. Então, a partir de agora, quem for morrer, avisa! E eu já adianto que não virei”. O momento de tristeza foi quebrado por algumas gargalhadas. Coincidência ou não, por vários longos anos ninguém mais morreu na família.



Fonte: Espaço PB com jornal A União (texto originalmente publicado na seção Memorial, da edição do dia 11 de fevereiro de 2025) – Foto: Pixabay – Contato: jorgerezende.imprensa@gmail.com

Comentários: