Artigo: Premonições e destino – Jorge Rezende

Publicado em: 20/04/2025 às 10:55
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O calor estava insuportável. Até mesmo à sombra. O sol estava para rachar mamona. A turma da imprensa – repórteres, radialistas, fotógrafos e cinegrafistas – se misturava em meio à multidão exprimida em frente ao equipamento a ser inaugurado. Olhares para o céu e ouvidos aguçados. E nada do helicóptero chegar com o ministro. Demora chata e grudenta de suor escorrendo do couro cabeludo aos pés. Era feriado na cidade e a gente ali trabalhando, loucos para cumprir a missão e retornar para as redações e registrar o fato, permeado por aquelas entrevistas previsíveis. Era 5 de agosto de 2001; quase uma odisseia jornalística.

Alívio... Aponta nos céus a aeronave do ministro da Saúde, José Serra, trazendo também a bordo o então governador José Maranhão e auxiliares estaduais e federais. Enfim, o heliporto, novinho em folha como todo o hospital, iria ser inaugurado. Antes do ato solene de inauguração do Hospital Estadual de Emergência e Trauma Senador Humberto Lucena, às margens da BR-230 na capital paraibana, a correria dos jornalistas, com empurra-empurra e disputa por espaços com os “babões”, para o registro das entrevistas.

Desde a sua inauguração, o Hospital do Trauma de João Pessoa tornou-se referência em diversas especialidades de média e alta complexidade, atendendo não só a população paraibana, mas beneficiando estados circunvizinhos, principalmente na área de traumatologia, ortopedia e queimadura. Hoje, essa unidade de saúde do governo da Paraíba é referência em mais de vinte especialidades médicas. Dados mais recentes apontam que o Trauma realiza uma média de dez mil atendimentos mensais.

Naquele 5 de agosto, após a solenidade de inauguração, com acordes da Banda da Polícia Militar e soltura de fogos, o hospital foi aberto ao público, aos convidados e, é claro, aos profissionais da imprensa. O intuito era conhecer de perto as dependências e os novíssimos equipamentos que estariam destinados a salvar vidas. O passeio pelo hospital foi capitaneado pelo ministro e o governador. Boa parte dos colegas da imprensa procurou ficar juntos, para troca de informações e impressões, além de matar a curiosidade acerca do funcionamento da unidade e daqueles maquinários hospitalares parecidos com o que só víamos em filmes de ficção científica, de tão modernosos eram. Não entendíamos nada do que víamos. Só sabíamos que eram máquinas de salvar.

Em um desses grupos que eu estava, tínhamos a companhia do colega jornalista Genésio de Sousa Neto. Nessa época, Genesinho era o superintendente da Rádio Tabajara. Em certo momento, ao paramos em frente a um daqueles equipamentos supermodernos, Genésio fez o seguinte comentário, ressaltando que a saúde de João Pessoa e da Paraíba estariam, a partir dali, em outro patamar: “Isso vai salvar a vida de muita gente, né? Dá gosto de ver. Só não queria precisar desses equipamentos”.

Passados alguns dias, em um ponto da Avenida Beira-Rio (Avenida Ministro José Américo de Almeida), a camionete da Rádio Tabajara capotou, ferindo o motorista e Genésio. O colega jornalista ficou em estado grave e socorrido ao novo hospital recém-inaugurado. Os profissionais médicos garantiram à época que, se não fossem os novos equipamentos de ponta alocados no Hospital do Trauma, provavelmente Genésio não teria sobrevivido. Ou seja: praticamente, Genesinho foi quem inaugurou aqueles equipamentos elogiados por ele dias antes e que não desejava precisar deles. Terá sido uma premonição? Ou simplesmente destino, uma coincidência? Não dá para saber...

Todavia, uma coisa é certa: o destino quase sempre é cruel. Genesinho escapou com vida daquele acidente automobilístico, graças ao Hospital do Trauma. E vive gozando de boa saúde até hoje. Mas, em menos de dois anos depois, perdeu o pai, Antônio Genésio de Sousa, em um acidente de carro na BR-101, quando retornava de Recife para João Pessoa. Um destino triste para o pai que, pouco antes, lamentara e sofrera com a possibilidade de perder o filho em um acidente de carro. Premonições e destinos sempre vão intrigar e, quase sempre, ficaremos sem respostas.

Só para lembrar – e uma forma também de homenagem –, o jornalista Antônio Genésio de Sousa, natural de Conceição, Alto Sertão da Paraíba, foi radioator, novelista, poeta, diretor de teatro e de televisão, e diretor dos Diários Associados da Paraíba. Participou do programa humorístico ‘A Escolinha do Nicolau’, escrito por Eraldo César. Na década de 1960 passou a escrever no jornal O Norte. Na diretoria desse impresso foi um dos responsáveis pela implantação do mais moderno sistema de impressão off-set.

Além de articulista dos jornais O Norte e Diário da Borborema, exerceu cargos de editor, colunista político, editorialista, chefe de Redação, diretor comercial e gerente da Rádio FM O Norte. Foi assessor de imprensa do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba (TCE-PB). Também foi um dos fundadores da TV Borborema em Campina Grande. Morreu em 15 de junho de 2003.



Fonte: Espaço PB com jornal A União (texto originalmente publicado na seção Memorial, da edição do dia 15 de abril de 2025) – Foto: Pixabay – Contato: jorgerezende.imprensa@gmail.com

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