Artigo: O iluminado – Jorge Rezende

Publicado em: 01/07/2025 às 08:10
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As dores estavam insuportáveis. Um tormento que começara aos primeiros raios de sol daquela manhã de agosto. Dores por todo o corpo. Da unha do pé ao couro cabeludo. Pernas e pés inchados e braços quase imobilizados... Passara o dia inteiro assim, se arrastando vagarosamente pela casa de forma zumbificada, olhando vagamente as coisas, sem nada fazer. Impedida de cuidar dos afazeres domésticos, nem ao menos dar atenção aos três filhos menores, apenas gemia baixinho, olhando para o teto e paredes à procura inócua de um alívio para aquelas dores repentinas e inexplicáveis.

Analgésicos tomados, pomadas “milagrosas” e chás ingeridos... E nada. As dores só aumentavam com a chegada do fim do dia. Aquele nono mês de gravidez estava um tormento. A saúde evaporou-se. A barriga enorme dava sinais de que o nascimento estava próximo. Quem sabe em duas ou três semanas... Mas aquele dia estava sendo muito cruel. Em pé, sentada ou deitada, nada mudava: só dores, dores e mais dores. Desespero apenas aumentava e lágrimas eram derramadas de maneira incessante.

Ficar grávida aos 32, na maior parte das vezes, não é apontada como uma gravidez “tardia”, levando-se em conta a possibilidade de se ter um risco significativamente maior de complicações. Após os 30 anos de idade, é uma fase em que a fertilidade feminina começa a diminuir naturalmente. Embora a maioria das mulheres possa engravidar sem problemas nessa altura do campeonato, o risco de alguns problemas de saúde, como diabetes gestacional e hipertensão, pode aumentar um pouco sim.

Hoje, com o avanço significativo da Medicina e uma atenção maior por parte das políticas públicas à área da saúde, principalmente no que se refere às mulheres, engravidar depois dos 30 anos, praticamente, não evidencia nenhuma restrição. Porém, naquele distante ano de 1966, a situação era diferente. Muitas gestações não eram acompanhadas devidamente. A presença dos cuidados médicos não era para muitos. Grande parte dos partos ainda ocorria em casa. Hospital e maternidade para boa parte da população eram quase um luxo.

Começava a anoitecer quando o marido chega do trabalho. Saíra há pouco do quartel, passara na padaria e já estava em casa encontrando a esposa naquela situação. Em choro, ela relata o seu drama sobre as dores persistentes. Ele cogita chamar um chofer de praça para levá-la ao hospital, mas antes disso, sem retirar o uniforme de sargento do Exército, avisa à esposa que vai rezar pela saúde dela para depois ir atrás de um táxi.

Enquanto ela permanece sentada ao pé da cama e de frente à janela de madeira, ornada por duas pequenas vidraças, ele vai para o quarto ao lado, com o terço à mão, e começa a rezar pela saúde da mulher. Devoto de Nossa Senhora da Conceição, pede a interseção da santa. A reza foi rápida. Ele retorna ao quarto do casal para providenciar a ida ao hospital e se surpreende ao ver a esposa de pé, quase saltitante, e com um largo sorriso no rosto que passara o dia todo retraído na dor.

Ela conta que, no momento em que ele rezava, ficara olhando fixamente a escuridão da noite por meio dos miúdos vidros da janela. Do nada, surgiu uma pequena luz colorida do lado de fora da casa. Uma luz com umas cores indescritíveis, misturando o azul, o amarelo, a prata e o dourado... Aquele brilho foi crescendo, crescendo, chegando ao tamanho de uma bola de futebol. A luminescência trespassou a janela, trazendo consigo um aroma de rosas que incensou o quarto. A claridade tomou conta do recinto, parecendo a aurora.

Após alguns segundos, a luz foi diminuindo de tamanho e começou a retornar para fora da casa. Maravilhada com a visão, por pensamento a mulher pediu para que a luz ficasse mais um pouco. Como que atendendo ao pedido, aquela fonte de luz voltou a crescer e atravessar a vidraça. Após outros segundos, refez o caminho de volta e foi diminuindo de tamanho até desaparecer. “Foi assim. A coisa mais linda que vi na minha vida. Quando me dei conta, estava de pé, com os braços abertos e levantados, sem nenhuma dor. Tudo sumiu. Foi ela que me curou”, relatou a esposa ao marido. O restante da gravidez transcorreu a mil maravilhas. Dias depois, no hospital da cidade, deu à luz a um menino. Ela contou essa história a vida toda.

Quando minha mãe brigava comigo, me colocava defeitos ou me culpava por alguma coisa, cinicamente eu a relembrava sobre a sua visagem da luz quando estava grávida de mim. Eu alertava, de forma debochada: “Olha, não briga comigo! Pois sou enviado da luz, o iluminado”. Ela apenas se desarmava, sorria e disparava: “Você é um cínico”.



Fonte: Espaço PB com jornal A União (texto originalmente publicado na seção Memorial, da edição do dia 17 de junho de 2025) – Foto: Pixabay – Contato: jorgerezende.imprensa@gmail.com

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