Artigo: Lista da morte – Jorge Rezende

Publicado em: 12/01/2025 às 08:30
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Tem muita coisa nesta vida vagando entre coincidências e mistérios. Situações que às vezes desafiam a lógica, a razão e até a fé. Na maioria das vezes, coisas ficam sem respostas, abrindo espaço para interpretações e divagações. Foi coincidência? Era de fato para acontecer? O destino está mesmo determinado para todos e para tudo? Ou o destino é um barco a deriva que tentamos aplumar em meio às ondas, calmarias e tempestades da vida? Não sabemos. Talvez nunca teremos assertivas.

Duas histórias de lista da morte me acompanham há muito tempo. Uma, a mais antiga, a considero drástica e preocupante. A outra, mais recente, é até engraçada. São dois fatos que me intrigam até hoje. Não tenho explicação, mas me incomodam bastante. Tento chegar a uma conclusão e percebo que nunca a alcançarei. São fantasmas que criamos em certo momento da nossa existência e nos acompanham por toda vida. Vamos à primeira lista da morte...

Na adolescência, fazia parte de um grupo de amigos muito próximos. Nossa patota era unida e fazíamos muitas coisas juntos: jogar futebol; nadar no rio; excursões e aventuras de bicicletas; partidas de baralho, principalmente de Truco (jogo de cartas bastante popular no meu Sul de Minas); fazer acampamentos à beira de cachoeiras; pescar; promover bebedeiras; ir ao cinema, a festinhas e às discotecas da cidade (sim, sou da época das discotecas, dos embalos de sábado à noite)...

Certa vez, não tinha o que inventar, fiz uma relação com todos os nomes dessa turma (éramos cerca de dez, incluindo eu) e promovi um sorteio aleatório para chegar ao ano da morte de cada um. Depois, fiz a lista em ordem de morte, com o nome de cada um e o ano em que “iria morrer”. Mostrei essa relação aos amigos e quase fui linchado... A maioria, claro, não gostou. Pediram para que eu desse um fim àquela lista macabra. Após muita insistência, acatei o apelo coletivo e dei cabo àquele pedaço de papel indesejado.

Dos anos em que cada morte ocorreria, não tenho nenhuma memória. Já dos nomes listados com os respectivos “prováveis” anos da morte, só me lembro dos dois primeiros e do último nome da lista. O derradeiro seria Jamil Kilo, um amigo filho de um imigrante sírio que fez a vida como comerciante em Três Corações. Tanto Jamil quanto seu irmão João Ricardo, que também constava na lista da morte, hoje exercem a Advocacia na minha cidade natal.

O primeiro da lista era Jefferson, que chamávamos pelo apelido de Catita. Naquela época, era o mais centrado dentre nós. Muito responsável, educado e o único que já trabalhava. Era ajudante e companheiro de boleia de um tio caminhoneiro. O segundo da lista “maldita” era Gílson Coelho, meu melhor amigo de infância. Pois bem... Passados não muito tempo da feitura da lista, recebemos a notícia de que Catita havia morrido junto com o tio em um acidente do caminhão em que viajavam. Muito tempo depois, eu já aqui em João Pessoa, veio a notícia da morte do meu amigo Gílson Coelho, de ataque cardíaco, aos 42 anos. Ou seja, as duas primeiras “previsões” da lista se concretizaram. De lá pra cá, nenhum outro morreu. O problema é que não me lembro da ordem sorteada. Fico apreensivo, pois tenho uma vaga desconfiança de que o meu nome estaria na primeira metade da lista da morte.

Já aqui em João Pessoa, em uma das vezes em que fui o editor-geral da revista A Semana, preparei uma lista de possíveis personagens para a entrevista (pingue-pongue) semanal. Ela era intercalada, principalmente, por gente da área da comunicação, da cultura e da política. Certo dia, o amigo Eduardo Santos – na época diagramador da revista e hoje editor do Diário Oficial do Estado (DOE) – encontrou essa lista em uma das gavetas da redação e me fez a observação de que, dos nomes listados que eu havia preparado, pelo menos um terço dos possíveis entrevistados havia morrido. Entre eles, o teatrólogo Ednaldo do Egypto e o compositor Livardo Alves.

O assunto acabou se espalhando. A revista A Semana teria uma lista da morte! O colega jornalista Petrônio Souto, que estava na relação e já era arredio a conceder a entrevista, ficou sabendo da história e passou vários dias me telefonando para que eu retirasse o nome dele da “relação da morte”. E só sossegou quando foi pessoalmente à redação conferir que o nome dele não constava mais da lista dos possíveis entrevistados. Petrônio nunca concedeu a entrevista e não quis mais falar do assunto.



Fonte: Espaço PB com jornal A União (texto originalmente publicado na seção Memorial, da edição do dia 7 de janeiro de 2025) – Foto: Pixabay – Contato: jorgerezende.imprensa@gmail.com

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