Artigo: Gonzaga, uma memória imortal – Jorge Rezende

Publicado em: 26/08/2025 às 11:30
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Cheguei à Paraíba em dezembro de 1987, fiz vestibular (o antigo “peneirão”) para a Universidade Federal da Paraíba (UFPB) em 1988 e, já em agosto de 1989, mesmo ainda estudante de Jornalismo do Curso de Comunicação, iniciava meus périplos pelas redações dos jornais paraibanos. A intenção era ficar no máximo quatro ou cinco anos nesta terra tabajara (que na verdade está mais para potiguara – mas isso é uma discussão para historiadores como Ademilson José e Carlos Azevêdo, especialistas em assuntos do Brasil holandês), para depois voltar à minha Minas Gerais. Porém, ainda estou aqui – só saio se me expulsarem e, assim mesmo, voltaria “escondido” e insistente, que nem sapo cururu.

Após ter o privilégio de vivenciar a luz deste céu pessoense, sentir na pele o sereno cultural deste rincão e compartilhar a vida com o fantástico povo paraibano, é impossível se desgarrar do mundo que gerou gente como Jackson do Pandeiro, Augusto dos Anjos, Ariano Suassuna, José Lins do Rego, Celso Furtado, Pedro Américo, José Américo de Almeida, Paulo Pontes e Gonzaga Rodrigues.

Lá naqueles idos de 1989, o cronista dos cronistas já era, há tempos, reverenciado por todos, tendo galgado o panteão letrado dos que são referência na história da comunicação paraibana. Gonzaga, transmutado a entidade do alto clero do jornalismo e da literatura via suas crônicas, nos estimulava a tentar copiá-lo ou pelo menos percorrer um caminho que fosse o mais próximo daquilo que ele se tornara. O que era – e ainda é – quase impossível. Mas mantivemos ele como nossa referência, um farol a orientar a boa e correta comunicação e as nuances da poesia em prosa nas linhas do universo das crônicas.

Muito além de tudo aquilo que ele representa, hoje, nos seus bem vividos 92 anos, o que mais me intriga e faz crescer ainda mais minha admiração é a capacidade de Gonzaga Rodrigues manter uma mente lúcida e produtiva. E mais ainda: com uma memória impecável, quase imorrível. Impressionante o “poder de lembrar” de Gonzaga. É de dar inveja para quem, como eu, vive esquecendo coisas e fatos que aconteceram num passado bastante próximo. Memória do nível de Gonzaga Rodrigues não é para qualquer um.

Recentemente, mais especificamente no último 24 de julho, pude mais uma vez comprovar isso. Numa revisita – dentre tantas – de Gonzaga Rodrigues à casa onde hoje é o museu que reverencia o escritor-político José Américo de Almeida, na Praia do Cabo Branco, ele, de novo, me impressionou. Depois da troca de afagos em meio a um papo descontraído, acionei o gravador do celular e pedi para Gonzaga falar um pouco de duas personagens da comunicação paraibana: Antônio Menino e Duarte de Almeida. Meu intuito era “pegar” mais informações para o assunto que tratei neste mesmo espaço na semana passada, no texto ‘A morte e a morte de Antônio Menino’.

Gonzaga conviveu com os dois. Para falar deles, precisou apenas de um a dois segundos para ativar seus arquivos mentais e começar seu texto-oral: “Ora, Antônio Menino era porteiro de A União desde a gestão de ninguém menos que João Pessoa. Antônio Menino, se bem explorado, devia ter dado grandes depoimentos sobre o João Pessoa ‘marcineiro’, que numa reforma que A União fez no tempo dele, aquelas escadas em pinho de riga foram administradas pelo então governador, que saía a pé do palácio e ia discutir a obra. Esse depoimento vem de Antônio Menino, que era porteiro, mas era a maior autoridade de A União. Respeitadíssimo”.

Ainda sobre Antônio Menino, Gonzaga completou: “Me chamava de Lula... Seu Lula. Depois que saiu de lá, foi morar numa ruazinha, ali na Bica. Eu ia visitá-lo. Um amigo meu, vindo de Taperoá, quem trouxe ele pra cá, foi um garoto chamado Celso Mariz, um garoto de cabelo branco”.

E sobre o jornalista e colunista Duarte de Almeida, Gonzaga relembrou: “Morava nas Trincheiras e andava com um livro debaixo do braço. Era um livro só. Durante a vida todinha, era só um livro. Isso é o que a turma dizia dele, sabe? Era um homem bom. Ele era de casa, lia as coisas dele. E naquele tempo todos andavam a pé. O tamanho da cidade também permitia, certo? Então, ele ia a pé – todo mundo ia a pé – em demanda ao Ponto de Cem Réis. E a elite ia para a sede do Cabo Branco, em frente à Misericórdia, sabe?”.

Isso é só uma pitada da memória imorrível de Gonzaga Rodrigues.



Fonte: Espaço PB com jornal A União (texto originalmente publicado na seção Memorial, da edição do dia 26 de agosto de 2025) – Foto: Evandro Pereira – Contato: jorgerezende.imprensa@gmail.com

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