
Estamos na Quaresma, que neste ano de 2025 começou no dia 5 de março e se encerrará em 17 de abril. É um período do ano litúrgico que antecede a chamada Páscoa cristã. Ela é celebrada por algumas igrejas cristãs, como a Católica, a Ortodoxa, a Anglicana, a Luterana e até por algumas denominações Presbiterianas e Reformadas.
Pesquisando em impressos e na Internet, “descobri” que a expressão Quaresma tem origem no Latim, quadragesima dies (quadragésimo dia). O chamado Ciclo Pascal compreende três tempos: preparação, celebração e prolongamento. A Quaresma, conforme “explicam” as minhas pesquisas, insere-se no período de preparação. Seria a preparação da comunidade de fiéis para a celebração da festa pascal, “que comemora a ressurreição e a vitória de Cristo depois dos seus sofrimentos e morte, conforme narrados nos Evangelhos”.
Essa preparação dos cristãos é feita por meio de jejum, abstinência de carne, mortificações, caridade e orações. Todavia, a separação do Carnaval e o período da Quaresma “inspira um vasto grupo de tradições folclóricas, algumas oriundas de ritos anteriores ao Cristianismo referentes à chegada do inverno e do posterior renascimento primaveril da terra, no hemisfério norte”. E é justamente essa parte folclórica da Quaresma que marcou a minha vida de menino.
Até a minha fase de pré-adolescente, cultivava crenças que hoje seriam bastante risíveis. Acreditava de verdade na existência de seres encantados, de criaturas do mundo surreal e na transcendência e nos mistérios do mundo invisível, ou mágico. E tudo fica mais intenso na Quaresma. Boitatá, Curupira, Caipora, Caboclo D’Água, Mãe D’Água, Cuca e, claro, o Saci-Pererê faziam parte das minhas crenças. Uma mistura de medo, respeito e admiração fervilhava na minha cabeça. Essas criaturas mexiam demasiadamente comigo e, de certa forma, aumentavam o meu desejo de um dia ver algum desses seres fantásticos.
E foi o que aconteceu certa vez. Era Quaresma e, depois de longas histórias contadas e divididas com meus irmãos e primos, fui dormir mais cedo. Estava calor e a grande janela envidraçada de frente à minha cama ficou aberta. Num momento de “dorme-não-dorme”, susto e arrepios tomaram conta do meu corpo ao avistar do lado de fora da janela uma cabeça escura, com cachimbo marcando o canto da boca e coberta por um capuz (apesar do escuro, deduzi que era da cor vermelha). Só poderia ser ele: o Saci-Pererê.
Num salto quase olímpico e aos gritos, corri para a sala da casa, onde detalhei o ocorrido aos meus pais e irmãos. Claro que ninguém acreditou e disseram que eu “estaria sonhando com essas coisas” depois das histórias sobrenaturais ouvidas antes de ir para a cama. Jurei de pés-juntos sobre minha visagem. Mas foi inútil. Aos risos e frases de repreensão, ninguém acreditou em mim. Me irritei, mas depois fiquei me gabando de ter tido a oportunidade de ter visto o Saci-Pererê. Me sentia um privilegiado. Porém, a alegria durou pouco. Dias depois, meu irmão Totonho revelou que tudo foi uma farsa. Na janela, era o próprio Totonho “fantasiado” de Saci para me botar medo. Fiquei decepcionado e minhas crenças perderam força.
Por outro lado, tem uma outra história fantástica que minha irmã mais velha, Maria José (a Meizé), conta até hoje e eu acredito nela. Quando menina, numa noite de véspera de Natal, Meizé foi dormir com a minha avó (Vó Dica). Na ânsia da chegada do Papai Noel, ela começou a firmar no pensamento a vontade de ver o bom velhinho chegando. Dividindo a cama com minha vó (que já dormia), de frente para uma janela aberta, Meizé viu uma mão com luva marrom vindo de fora da casa. Ela conta que, apesar do medo, ficou feliz – até hoje – por ter “visto” o Papai Noel. Posso até não acreditar mais em Saci-Pererê, mas acredito na minha irmã.
Fonte: Espaço PB com jornal A União (texto originalmente publicado na seção Memorial, da edição do dia 11 de março de 2025) – Foto: Reprodução – Contato: jorgerezende.imprensa@gmail.com
Comentários: