Artigo: A morte e a morte de Antônio Menino – Jorge Rezende

Publicado em: 21/08/2025 às 05:50
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Meu principal mentor no jornalismo paraibano, o saudoso Agnaldo Almeida era o diretor de redação do jornal O Norte em meados do final da primeira metade dos anos de 1990. Para atender sua determinação, assumi a editoria do Caderno Show, em substituição ao também saudoso Carlos Aranha. A princípio, seriam por apenas quinze dias. Depois o prazo se estendeu para um mês. Aranha alegava estresse e precisava de umas férias, até que, para surpresa de todos, resolveu não mais voltar ao cargo. Assim, eu que atuava no jornalismo político, terminei por ficar por quase dois anos à frente do caderno de cultura.

Sempre gostei de cultura, mas não era minha praia. Queria voltar para a reportagem da editoria de política. Mesmo contrariado, atendi às ordens do mestre Agnaldo e mergulhei pra valer no mundo dos assuntos pertinentes à cultura e às artes. Já que estava nesse meio, então procuraria fazer o melhor, principalmente tendo ao meu lado uma equipe nota dez de repórteres de cultura: Ricardo Anísio, Elinaldo Rodrigues, Célia Leal e Fátima Farias.

Acabei me acostumando, me adaptando, porém o trabalho, mesmo um tanto divertido, era árduo. Em tamanho standard, o Caderno Show possuía oito páginas. Eu tinha a colaboração de um digitador e de três diagramadores para editar as páginas e entregar o caderno fechado até ao meio-dia. Porém, às sextas-feiras, o trabalho dobrava. Tínhamos que fechar a edição do sábado e, de forma adiantada, o caderno do domingo. Ou seja: eram 16 páginas para fechar em quatro, cinco horas de edição.

Mesmo na correria, sempre fiz questão – e a responsabilidade – de ler e revisar tudo, do cabeçalho ao rodapé das páginas. Para garantir a qualidade do material, com o mínimo de erros aceitáveis, me debruçava nos dados das agendas e nos textos jornalísticos e dos colunistas. E um desses colunistas era Duarte de Almeida, na época, o jornalista mais antigo da Paraíba ainda em ação. Com mais de 80 anos, mas bastante lúcido e produtivo, Seu Duarte, ainda rapazinho, começara na imprensa paraibana em 1927, como revisor, em O Norte. Naqueles anos de 1990, permanecia atuante no mesmo veículo. Mas havia um detalhe: Seu Duarte não usava a máquina de escrever e muito menos os teclados dos computadores que começavam a invadir as redações. Então, ele entregava de um a dois artigos por semana, escritos à mão, e eu os repassava para serem digitados. Só depois eu ia ler para serem editados.

Numa dessas sextas-feiras de adiantamento, estávamos atrasados e, para ganhar tempo, decidi por publicar dois artigos seguidos de Seu Duarte, um na edição de sábado e outro na edição de domingo. A correria naquele dia havia sido grande, a concentração no trabalho não foi ideal. Já à boquinha da madrugada, na hora de dormir, quando relaxei e comecei a me lembrar do material que havia editado naquele dia, me veio à mente um dos textos de Seu Duarte, onde ele começava o artigo assim: “O saudoso Antônio Menino...”. Um frio percorreu minha espinha. Seu Duarte “matava” Antônio Menino, que ainda estava vivo, com cerca de 103 anos. Bastante debilitado e “preso” a uma cama, ele era cuidado por uma bisneta, numa pequena casa no Bairro de Tambiá, vizinha ao Parque da Bica. Essa bisneta era amiga da minha primeira ex-mulher e dias antes eu havia feito uma visita a Antônio Menino, vivinho-da-silva. Mas Seu Duarte “o tinha matado” no texto.

A comoção foi geral. Antônio Menino era bastante conhecido e querido nos meios jornalísticos e principalmente no segmento político. Ele foi porteiro do jornal A União desde a gestão de ninguém menos do que João Pessoa. Passou por todos os governos até se aposentar e se afastar de suas atividades. Na segunda-feira, os telefones da redação de O Norte não paravam. Todos indignados com a informação errônea acerca da “morte” de Antônio Menino. Bastante abalado, Seu Duarte redigiu novo artigo tratando do equívoco, implorando desculpas aos leitores, amigos e familiares do “não-falecido”. Dessa maneira, a coluna de Seu Duarte figurou por três dias seguidos nas páginas de O Norte.

Em recente conversa com o “cronista dos cronistas”, o mestre Gonzaga Rodrigues me revelou: “Se bem explorado, Antônio Menino devia ter dado grandes depoimentos sobre João Pessoa, ‘o marceneiro’. Numa reforma que A União fez no tempo dele, ali no prédio que existia onde hoje é a Assembleia Legislativa, as escadas eram em pinho de riga e foram administradas pelo próprio governador João Pessoa, que saía a pé do palácio e ia discutir a obra da escada. Esse depoimento vem de Antônio Menino, porteiro, mas a maior autoridade de A União. Respeitadíssimo”.

Detalhe: dois ou três dias após a publicação do artigo de retratação de Seu Duarte, chegou a notícia que ninguém imaginava: morria Antônio Menino, “de verdade”. E Seu Duarte lamentou: “Jorge Rezende, acho que causei a morte de Antônio Menino, o matando antecipadamente”. Claro que, naquela semana, teve mais um artigo de Seu Duarte tratando do tema.



Fonte: Espaço PB com jornal A União (texto originalmente publicado na seção Memorial, da edição do dia 19 de agosto de 2025) – Foto: Pixabay – Contato: jorgerezende.imprensa@gmail.com

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